domingo, 28 de agosto de 2016

A MEMORIA TROUXE DE VOLTA, Luiz Carlos Andrade

A MEMORIA TROUXE DE VOLTA, Luiz Carlos Andrade, 2016, Infographics, 122p, isbn 978-85-9476-005-0




Mais um escritor de Itabaiana, da Academia de Letras, mais um memorialista mostra-se aos leitores em um livro.   
Já há algum tempo tenho recebido, via email, crônicas escritas pelo doutor Luiz Carlos. Eu não entendia bem, sou um escritor comum. Só se fosse pela consideração que algumas pessoas dedicam gratuitamente a outras. Já que eu era agraciado com a confiança, retribuía como podia: sugerindo pequenos ajustes, alguns equivocados. A bem da verdade, as crônicas já estavam prontas.



O livro saiu essa semana, um pré-lançamento na reunião do dia 26/08 da Academia Itabaianense de Letras e o lançamento no dia 04 de setembro, junto às comemorações pelo aniversário do autor, em sua residência.

Vinte e seis crônicas e/ou ensaios.

Textos engraçados, irônicos, ferinos, mostrando uma época heroica, onde vemos que, os nossos atuais ilustres não passavam de moleques peraltas, índios de rua, dores de cabeça a pais zelosos. Depois deram certo, alguns além do esperado. Poucos deles ficaram pelo caminho, traídos por detalhes, talvez não tenham apanhado como deveriam e, por isso, não aprenderam bem a liberdade posterior.

O doutor Luiz Carlos Andrade é um médico conceituado em Sergipe, consultório sempre lotado. Um dos poucos que os pacientes esperam com paciência o dia da consulta, sabem que valerá a pena.  Ouço falar que as consultas são cuidadosas, investigativas, aprofundadas, técnicas... A busca paciente do problema pode levar um dia inteiro ou até mais e o doutor persiste incansável, produtivo. Suas lanternas médicas vasculham cada componente do sistema, afastam cada nuvem, penetram nas penumbras, avaliam os mecanismos comprometidos sejam na matéria ou no espírito.

Suas lanternas literárias andam pelo mesmo caminho na literatura, focando o passando de um povo, tratando dos tipos que o compõem, incluindo-se, ele mesmo também, como paciente.  Sentimentos, humores, sofreres, jeitos, manias, costumes, vícios, virtudes, dores, alegrias, bondades e malvadezas.  
O menino saindo de ônibus para Aracaju é o retrato de uma comunidade inteira de garotos sonhadores, querendo uma chance, precisando desesperadamente ser gente, buscando a liberdade que dignifica, fugindo do cabresto impiedoso. O menino-vento vagando na sua inocência certamente vai despertar lembranças gratas. O sexo, o corpo se revelando, as meninas, os sonhos. A disciplina rigorosa encontra uma justificativa: amansar a fera quanto é tempo. Mas precisava amansar tanto assim? Um quarto escuro para aprender a pensar... Um tapa na cara, uma surra de cansanção. Há um ditado que diz: faça o seu filho chorar em pequeno, ou ele vai fazer chorar muito quando crescer.

“A Chegança de Zé de Bibé”  é um momento antológico, quando o garoto inventivo resolve assumir o comando do navio. Sorrateiramente, escondido no beco escuro. Até o comandante deve ter levantado a espada em direção ao céu. Ao perceber o logro, azeda:  “Fio duma égua! Corno! Quem foi esse veado?   Quem dá ordens aqui sou eu!!!” E retoma o comando do navio.  

Aracaju! Tio Daniel (assim o chama Luiz Carlos), conheci-o contando histórias, como sempre fez minha mãe, e ainda faz, que era sua prima. Ferreiros rudes vestidos de heróis em uma Grécia imaginária povoada de mitos.  Daniel morava na rua Dom Quirino, minha família morava na Rosário, a meio quarteirão.  Eu vivia fora, em outra cidade, mas tive, quando aparecia em visita, momentos inesquecíveis. Parecia um sarau literário que nos encantava a todos. Poesia, muita poesia, prosa, muita fantasia.  Os ferreiros (família também do autor, Luiz Carlos) é uma família (ou uma dinastia) fincada nas raízes e consciente do valor que tem (ou que acha que tem). Pura Itabaiana, a essência desse povo singular.

A República Cebolinha, um segmento importante da obra e da vida de Luiz Carlos, merece muitos romances. Como sofreu o pobre José Bispo nas mãos do aprendiz de feiticeiro! E os vizinhos do quarteirão com o foguetório promovido pelas estrepolias de Maceta, filho de Zé Bigodinho e de Irene, gente dos troncos da velha Matapoã.

Os nossos tipos folclóricos, alguns já famosos pois frequentaram páginas de outros escritores ceboleiros, são apresentados de roupa nova.   “João da Macela e a festa do Mastro” é um monumento. Robério Santos e Vladimir Souza Carvalho ganham um texto para as fotos da festa pagã do mastro que foi fotografada desde Miguel Teixeira.

Cada crônica do livro merece outra do mesmo tamanho ou ainda maior falando dela. Mas meu espaço é curto. Vou concluir com “Juvino Preto ou Negro Aruvim”. Não por fazer referência aos ferreiros de Saracura (que é o meu povo) mas porque nos apresenta um grande itabaianense dentro da sua simplicidade. Juvino é o inventor do amendoim cozido, hoje um produto nacional.    E também das rifas e mesas de sorte. Construiu uma roleta com roda de bicicleta, que, depois, é bem provável, foi copiada pelos cassinos espalhados pelo mundo.

“A Memória trouxe de volta” proporciona uma leitura prazerosa! Imperdível. Acredite.  


(Aracaju, 28/08/2016, Antônio Saracura)


quinta-feira, 25 de agosto de 2016

HISTÓRIAS DE MINERVINA, Izabel Melo

HISTÓRIAS DE MINERVINA, Izabel Melo, 2016, J.Andrade, 48p, ilustrado color,21cm, isbn 978-85-8253-167-9




Dá gosto ouvir Ismael Pereira discursar. Palavras bonitas, carregadas de erudição incomum. Poderia ser um chato pela erudição incomum, algo rococó, fora de moda. Mas encanta. A voz, a cadência da fala, a gesticulação interpretativa, a postura em cena, dão significado claro aos termos mais incomuns do dicionário. Se Ismael não falasse nada, seria, mesmo assim, um grande orador. Tem experiência em encantar calado, pois é pintor, um artista plástico respeitado no mundo inteiro. Mas, falando.... Nem se fala!



Recebi um convite e o telefonema a seguir: “minha esposa está lançando um livrou no próximo dia 15 e quero contar com sua presença. Faço questão, não abro mão”. Não seria um convite a deixar de lado. Ismael sabe a ciência de cativar, de agregar, de firmar compromisso. Mesmo chovendo, e eu na maior gripe, fui ao lançamento.

Histórias de Minervina é um livro curto com letras grandes, li ainda na fila de autógrafos. Cinco histórias que fazem sonhar, que ensinam a viver: A Semente e a Águia, Os Sapos e o Galinheiro, A Borboleta Azul, A História mais Bonita e A Árvore Triste. E traz mais uma história escondida nas entrelinhas, muito bonita, e foi contada pela autora aos presentes: A História de Minervina.

Minervina ficou muito doente, ia morrer. Então, fez uma promessa ao padre Cícero Romão: se sarasse daquela enfermidade, iria ao Juazeiro do Norte, em peregrinação, à pé, agradecer ao santo que, naquela época, ainda estava vivo. E Minervina sarou e foi pagar a promessa. Com uma trouxa na cabeça, acompanhada de uma amiga, varou os sertões, desse o Pilar de Alagoas até o Juazeiro do Ceará. E, no caminho, nos pousos dos romeiros, ouviu muitas histórias. Finalmente Minervina chegou ao destino, e a beata que cuidava da agenda, informou que o Padre estava fora, em viagem, iria demorar muito, Não adiantava esperar. Minervina ficou alguns dias na cidade e depois retornou, à pé, outra vez, através do sertão, pagando sua promessa e escutando mais histórias.

Depois, em casa, o resto de sua vida, não mais parou de contar essas histórias, pois eram muito bonitas. E a neta de Minervina, Izabel Melo, que escutou todas mais de uma vez, conta-nos algumas nesse seu primeiro livro. Tem muito mais ainda, certamente. Não podemos deixar se perderem as histórias que nossos avós nos contavam.

(Antônio Saracura, Aracaju, 25082016)


terça-feira, 23 de agosto de 2016

ELOGIO DA AMIZADE,José Paulino da Silva

ELOGIO DA AMIZADE,José Paulino da Silva, Sotaque de Leitura, 2012,166p,Isbn: 978-85-8253-000-9


Conheci o professor pelas mãos de Ribeiro, conforme narro na resenha que fiz aqui mesmo nesse sítio sobre o livro anterior do professor. 

O gordo e irreverente radialista das madrugadas fez questão de me levar à casa do professor, com meu livro “Os Tabaréus do Sítio Saracura”. Nem marcamos visita. Batemos à porta, Paulino conhecia Ribeiro e nos recebeu com distinção em sua chácara encravada no coração bairro 13 de julho, a poucos metros da Praia Formosa, em Aracaju. Jamais imaginaria que, por detrás dos muros citadinos, existisse um ambiente natural tão aconchegante, com horta, pomar de fruteiras, pássaros cantando, etc. etc. Na oportunidade, o professor me presenteou com com “Itinerários da Libertação” e um DVD de aboios e músicas de raiz .

Duas pérolas. "Itinerários da Libertação", li e até publiquei uma nota no jornal "O Capital" que, infelizmente, empastelou parte, impossibilitando o entendimento. Eu já trabalhei em jornal e sei bem que isso pode acontecer. Engoli o sapo calado. E calados também ficaram os leitores do jornal, como se nem tivessem lido aquele desatino.

Há gratas semelhanças entre o que Paulino narra em seu livro e o que eu narrei em "Meninos que não queriam ser padres”, publicado em 2011.  Ambos estudamos em seminários. Ele por 17 anos, e eu por seis.

O dvd, não me canso de ouvir.

O professor lançou um novo livro, Elogio à Amizade. Deu-me o convite no programa de rádio de Santos Lima, quando nos encontramos, ambos éramos convidados do radialista.

A festa de lançamento foi algo cinematográfico, em novembro de 2012, no Iate Clube de Aracaju, com direito a palestra do intelectual (Academia Maranhense de Letras) Sebastião Moreira, show de aboios e de cantorias. 

Acabei de ler "Elogio a Amizade", com um certo atraso. É que não consigo vencer os livros que me chegam às mãos, muitos por compras.  Não consigo resistir às tentações das livrarias. O livro é um tratado filosófico, uma dissertação acadêmica ou um ensaio pedagógico. Ou o que for. Mas é bom de ler, rico em referências, erudito, à imagem de seu autor, doutor em filosofia. O autor retorna ao seminário, agora vendo-o do alto, como um gerador de amizades, de camaradagens. Mesmo assim, há uma coincidência entre os dois Paulinos e, algumas vezes, parece que um imita o outro.

(por Antônio FJ Saracura, em agosto de 2013)
 

ELIZEU OLIVEIRA O ARROJADO, Carlos Mendonça e Maria da Conceição Andrade Oliveira

ELIZEU OLIVEIRA O ARROJADO, Carlos Mendonça e Maria da Conceição Andrade Oliveira, 2016, Aracaju, Sergipe, Infographics,M539e, 218 páginas, ilustrado, isbn 978-85-9476-008-1



O título ainda inclui, precedendo o epíteto Arrojado: “um empreendedor futurista, íntegro e solidário”.

Ninguém duvida. Especialmente quem conviveu com Elizeu, uma figura lendária no comércio de Itabaiana e de algumas cidades do interior sergipano onde suas lojas Guanabara chegaram. Elizeu faleceu muito cedo, em 09 de abril de 1988, com 49 anos de idade, quando estava no ápice de sua criatividade. Há 28 anos. Folclórico, extravagante, eficiente. Um ícone nessa terra singular que gerou ao comércio nacional os Paes Mendonça, Os Barbosa, os Sobral, os Corcino, os Peixoto e muitos outros.


Um livro feito no capricho, capa grossa, fotos coloridas, papel couché brilho Suzano 90ng.  Escrito a duas mãos, por Carlos Mendonça, que já produziu uma dezena de obras na mesma linha, e por Maria da Conceição Oliveira, empresária de sucesso e filha do biografado.

Mesclado por uma iconografia vasta, os fatos fluem cronologicamente, desde a origem de Elizeu Oliveira (o arrojado) em um sítio de agricultura no povoado Corisco de Itabaiana indo até o seu falecimento precoce, de um infarto fulminante, internado em uma clínica de reeducação alimentar em Brasília.  E tem muito no meio: a infância dura, os primeiros passos no comércio, o vendedor na pedra da feira, a inauguração dos armazéns Guanabara, o casamento e a família, o sistema de cobrança um tanto bizarro mas que funcionava, a expansão da rede de lojas, o cinema pornô, o empreendedor imobiliário. Testemunhos de intimidade de uma família, e por aí vai. Há um interessante capítulo que fala do lado folclórico de arrojado (atendimento pela frente, discussão no cemitério, cobrança pública, só quero se tiver Cremilda...) e outro, um tanto bizarro, que fala da festa que os amigos fizeram no velório, quebrando o protocolo, por ordem do morto.

Da página 136 a 143, os autores fizeram publicar, na íntegra, uma reportagem que vale um livro. Saiu na edição de agosto de 2009 da Revista Perfil, por ocasião do 121 aniversário de emancipação política de Itabaiana, com o título: “Itabaiana – uma terra de Arrojados”. Conta as origens da cidade e do povo, mostra os grandes nomes que a cidade produziu e, especificamente foca Elizeu Oliveira, o Arrojado: a pessoa, o empresário empreendedor, o pai de família. Uma reportagem justa, merecida, e que consagra o herói. Para onde foi Revista Perfil? Estava no caminho certo e sumiu em alguma curva traiçoeira.

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As empresas do Arrojado continuam. Seus filhos, “os arrojadinhos”, expandiram os negócios. Aprenderam com o pai, desde pequeninhos, as manhas da profissão.

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Senti falta, como em outros livros que tenho lido sobre celebridades de Itabaiana, da genealogia das famílias. Era essa a hora de levantar a árvore, pois ainda há muita gente viva e que sabe, e livros nos cartórios e igrejas ainda não incendiados ou inundados.

Quanto ao mais, a obra presta um serviço inestimável à nossa história, eternizando um herói, que poderia se perder nas brumas do passado, como já aconteceu com alguns. Ainda bem que a família de Elizeu Oliveira cuidou disso para nós todos. E ainda nos arrumou mais um escritor, Conceição Oliveira, que confessa a intenção de prosseguir na nobre missão: “Fiz e gostei tanto dessa experiência que, de minha autoria, novos livros virão. Aguardem!” 
 
Quem vai intimidar a literatura que desce da serra?  Nem que a inquisição do maldito ofício volte a queimar livros e autores em fogueiras.

Queremos ler seus livros , Conceição!


(Antônio Saracura, Aracaju/21/08/2016)

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

OS TRES SANTOS JUNINOS, Luzia Maria da Costa Nascimento

OS TRES SANTOS JUNINOS, Luzia Maria da Costa Nascimento, J. Andrade, 2015, 2. Edição, 267pa, isbn 978-8584-13051-0



Cadê São José das plantações de milho?

O livro Os Três Santos Juninos trata de Santo Antônio dos namorados (dia 13 de junho), de São João do compadrio (dia 24) e de São Pedro dos viúvos e porteiro do Céu (dia 29). 

“Santo Antônio casa, / 
São João batiza / 
Pra entrar no céu / 
São Pedro é quem autoriza”. 

Três santos das fogueiras às portas das casas, dos fogos de artifício, do milho assando, da canjica, das pamonhas e manuês, das comidinhas saborosos que Luzia Nascimento ensina a fazer.




Também Santa Isabel, a inventora das fogueiras, esposa de Zacarias, o criador das bombinhas de salão, pais de São João?  O dia de Santa Isabel é 08 de julho e, no meu passado no sítio Saracura, acendíamos a última fogueira, fechando o ciclo festeiro. Uma fogueira mais singela, a fogueira saideira.

E ainda Santa Ana, esposa de São Joaquim e avó de Jesus? A padroeira das viúvas merecia uma beirinha, pois seu dia é 26 de julho e alguma fogueira é acesa nos sítios de Sergipe; mas não me lembro de que na Terra Vermelha  a gente acendia.  

Quanto à São José?

19 de março é lá no passado, longe demais de junho. Tive pena dele. Mais essa privação! O pobrezinho criou o filho do Divino Espírito Santo como se fora seu sem reclamar de nada; plantou todo milho para junho colher. Também tem fogueira no seu dia, uma ou outra. E na hora do banquete, nem comparece, fica no trabalho duro na oficina de carapina.  

Fiz essas considerações para começar a conversa...
Puxei o saco do time santificado, puxei brasas para mais gente, tentei recompensar meus pecados cometidos e ganhar mais simpatia dele, importante na hora do julgamento final. 


O livro é denso, fala amiúde dos três nomeados acima e das tradicionais festas que ocorrem em Sergipe, no Nordeste e no Brasil em seu louvor.  Dedica 149 páginas a Santo Antônio, 27 a são João e 36 a São Pedro. As 35 páginas finais tratam de culinária, das boas comidinhas que são servidas no período, a maioria a partir do milho ou da mandioca puba,

Para cada santo é contada a história (rica biografia), fatos relativos à religiosidade, lendas, as tradições populares em torno do mesmo no mundo todo.  Há rezas fortes, simpatias. Há curiosidades.
Santo Antônio “é amado preferencialmente pelo povo humilde, que vislumbra nele o distribuidor dos tesouros celestiais e o promotor decidido dos interesses dos pobres” (Leão XII citado no livro).  Foi feito Santo em apenas onze meses e dezessete dias após sua morte pelo papa Gregório IX. Em vida já o era com sobras. Santo Antônio escreveu livros de sermões, mas o povo canta-o todo dia em prosa e verso:

"Santo Antônio Pequenino,
Mansadô de burro brabo
Vem e mansa minha sogra
Que é levada do diabo”.

São João é o promotor dos compadrios, especialmente nos lugares remotos onde o padre pouco aparece.  E os casamentos de fogueira também, de maneira eficaz e rápida:

“São João dormiu
São Pedro acordou
Zefa é minha muié
Que são João casou”.

E vem São Pedro, o chaveiro do céu, aquele que pode fechar a porta bem na nossa hora.  Convém celebrá-lo com muita devoção. 

“Corre, corre cavaleiro
Vai a porta de são Pedro
Dizer à santa Luzia
Que venha tirar este argueiro
Com a ponta de seu lenço”.

Você sabia que as fogueiras seguem formatos específicos: a São João deve ter uma base arredondada, já a de Santo Antônio deve ser quadrada e a de São Pedro, triangular? 

Por essas e outras estradas, o livro de Luzia Maria Costa Nascimento fala (e bem) dos santos Juninos. É a segunda edição. A primeira saiu em 2015 e João Oliva Alves, um jornalista acima de qualquer outro, recebeu-o com uma crônica publicada no Jornal Cinform, que assim termina: “Os Três Santos Juninos” de Luzia Costa Nascimento repercute como um excelente acontecimento literário   editorial que atrairá a atenção dos leitores e turistas de toda parte de nosso Estado” (publicada no livro Mural de Impressões, página 119). 

Uso, com licença do mestre João, as mesmas palavras para encerrar minhas mal traçadas linhas.

(Aracaju, Antônio Saracura, julho de 2016).








domingo, 14 de agosto de 2016

DUBLINENSES,James Joyce

DUBLINENSES,James Joyce, 2012, BestBolso,tradução de Hamilton Trevisan,191p, isbn 978-85-7799-354-3


Enganchei no “Ulisses”, não houve jeito de avançar, achei os diálogos longos e inúteis, ação relaxada. Fechei o livro, guardei-o de volta na estante.

Tenho a intenção de retornar ao livro, pois não é possível uma das grandes obras da humanidade recusar-se a andar comigo. Claro que não é defeito da companhia que quero ter, mas de mim, que não presto para finas iguarias, basta-me um prato de feijão com farinha e molho de carne. A verdade é que, já se vão anos que deixei “Ulisses” na mão e fui atrás de outras companhias. Mas Ele nunca me saiu da cabeça, como se fosse uma dívida que preciso saldar. Rondo pelas periferias até do próprio autor, como agora fiz, lendo Dublinenses, contos publicados antes de Ulisses.


James Joyce viveu fora de sua terra (Paris de Roma) a vida toda. Parece que isso é bom para a produção literária: Isaac Singer (Estados Unidos), Gabriel Garcia (México), Gonçalves Dias (Europa, Rio de Janeiro)  e muitos outros.  A distância estreita vínculos, permite uma visão superior e geral. E depois, as imagens coletadas na infância jamais se apagam: a pátria pode até morrer, mas a história permanecerá.

Dublinenes são cenas quotidiano, incorporam pensamentos, sensações, sentimentos de pessoas comuns do ambiente familiar plebeu quase sempre. Documentação da vida comum, pequenos dramas que atribulam as pessoas até desnecessariamente. Alguns contos (?) são escritos na primeira pessoa, o que aproxima mais o leitor ao autor, tornando cúmplice muito mais que expectador. Joyce utiliza a técnica de fluxo de consciência e nem se preocupa com o fecho, apenas encerra a história. Os teóricos da universidade podem arrepiar o cabelo ou torcer o bico. E o fariam, certamente, se o escritor não fosse consagrado.

São 15 contos no livro...

 “As Irmãs” mostra que o crime precisa de oportunidade, e escapar dele também. Os dois meninos poderia ser assassinados (ou não) pelo homem que, displicentemente, passava pela estrada.  A conversa aproximou o menino do perigo. Nada de grave aconteceu ou foi sugerido mas eu senti a iminência de uma desgraça.

“Arábia” ...  Um objetivo muito importante, tão simples de alcançar, ser destruído pelo desleixo (pouco caso) de um pai, certamente assoberbado por outros fazeres. Mas ainda há tempo!  Corremos cheios de esperança e, lamentavelmente, o parque fechou, o trem partiu, o sonho não pode ser recuperado.

“A pensão”. Se a mãe estava cuidando de tudo, pra que Poly gastar-se, esquentar a cabeça?

“Contrapartida”. A corda sempre quebra do lado mais fraco. O bom menino (talvez o autor) apela à todos os santos, mas o opressor (senhor, pai, em todos os níveis) é impiedoso. A lei do mais forte.

“Argila”.  Talvez o “finale” espetacular que o conto exige, seja este chocho, imprevisível. Tudo correu bem até “desta vez ela apanhou o breviário”. Tanta expectativa criada, e terminar assim, como se ainda faltasse muito a dizer. É a marca do autor?  

“Um caso doloroso”. Perfeitas colocações sobre o encontro e o que se segue normalmente. Mas o final cheira à desistência, o autor joga a toalha, perde a paciência e nos deixa na mão.  Coitado do personagem, coitado do leitor.

“Dia de hera na lapela”. Fala de mitos e seres comuns nos sindicatos de Dublin, que é igual em todo mundo.  Cheira à homenagem cabotina a um lula qualquer.

“A Mãe”. A mãe dominadora que anula o marido e cria os filhos como Maroca criou Hortência (pouca gente vai entender) com um zelo exagerado, fazendo da filha um bibelô, uma estrela de primeira grandeza a seus olhos, mesmo não sendo lá essas coisas. E mete-se a empresária da filha e a retira do espetáculo antes de terminar a apresentação por não ter recebido o cachê combinado previamente. A mecânica do show business (de qualquer tamanho) é bem diferente, o artista vive à mercê do empresário, pelo menos o artista que ainda não se firmou.

“Graça”. Não vejo como uma preleção impessoal, possa ser tão poderosa   a ponto de mudar a vida de Kermam.  Mesmo que modificasse seus pontos de vista, ainda precisaria arrumar uma ocupação que lhe desse dignidade.  Uma estória à toa, como, aliás, as demais.

“Os mortos” é tido como um grande conto de Joyce. Ficaram-me as considerações de Gabriel sobre lembranças do passado. “...os rostos ausentes cuja falta sentimos... (rondou sobre mim aquela nuvem que esmaece os traços das pessoas e de fatos e que os apaga definitivamente se não os reacendemos de quando em quando).  Nossa passagem pela vida é marcada por muitas dessas recordações e, se tivéssemos de pensar nelas todo o tempo, não sobrariam forças para desempenhar nossas tarefas entre os vivos”.

Acho que, um dia, se ainda tiver tempo, retornarei a Dublinenses. Quem sabe, até, rasgarei essa resenha.

(Antônio Saracura, Aracaju, julho de 2016)  



sábado, 13 de agosto de 2016

O PÓ DA ESTRADA e LEITOR A ESCRITOR, Enéas Athanázio

O PÓ DA ESTRADA e LEITOR A ESCRITOR, Enéas Atanázio, 2015, volume 2, Nova Letras, 160 páginas, isbn 978-85-7682-966-9



 
Querido escritor Enéas,

 Permita-me chamá-lo assim, quero muito bem ao senhor!

Acabo de receber o livro “Enéas Athanázio: de Leitor a Escritor”, autoria de Guilherme Queiroz de Macedo.   Obrigado pela lembrança.




Li rapidamente. A obra faz justiça ao grande escritor, incansável cronista do povo catarinense e brasileiro. O Brasil precisa conhecê-lo.

Enéas tem uma vasta bibliografia, 42 dois anos na estrada literária, 62 obras publicadas, desde “O Peão Negro”, em 1973. Nasceu na cidade de Campos Novos no planalto Catarinense em 1935. Ele mesmo fala sobre sua extensa obra literária: “Aquela Campos Novos (do passado) só existe mesmo dentro de mim e de alguns que escreveram e viveram lá naquela época mais intensamente. Eu olhava os fatos que aconteciam, as questões políticas, aqueles coronéis com seus latifúndios, aquela vida, e me decidi: vou tentar o registro, já que ninguém se habilita, E comecei a escrever meus contos.”


Escreveu uma obra eterna, para todos nós, pois somos também de Campos Belos.





E sobre “O Pó na Estrada”, o motivo dessa mal traçada resenha?
Jack Kerouac ajude-me a acompanhar Enéas, impetuoso deambulatório, como ele mesmo se chama. Cada viagem é seguida de forte ímpeto escrevinhatório.




Eu fui premiado, sou um dos personagens, misturados com gente da Paraíba (Terra do Nego), de Campos Novos, Canoinha e Calmon. Gente de São Paulo e do Ceará, pois a viagem continua lá.  A chuva nos pegou a todos, a família de Enéas e a minha imaginação no Planalto Catarinense:  Rio Negrino onde já naveguei; Catei relíquias de guerra nos campos destruídos do Contestado e depois boas lembranças nas alterosas de Minas Gerais.

Enéas e Jandira, o casal peregrino... Não convém ao homem andar só, e nem à mulher também.

O capitalismo criou espaços de lazer:  Salinas do Maragogi só para começar. Eu bem que gostaria também de me salinizar.  Recife e Olinda, trilhas sangrentas dos holandeses invasores. São Salvador da Bahia, a religiosidade, as palavras eternas de Jorge Amado que ressoam sonoras.

O homem não para, como se o Brasil inteiro fosse o caminho de Santiago em loop fechado e contínuo. Pernambuco, Rio Grande do Norte e Piauí. Direto, voo longo, ao chão de Nheçu, uma viagem complicada.  Enéas publicou o “Mundo Índio" (2003) resgatando a história heroica deste cacique guarani, líder inconteste da resistência à invasão europeia na região Santo Ângelo, que nos proteja de tanta injustiça desde o descobrimento.  Também São Miguel Arcanjo e todo santo disponível, pois precisamos de proteção.

Finalmente Sergipe dos caciques guerreiros Serigy, Baopeba, Japaratuba, Surubim e muitos heróis massacrados. Estância, Lagarto e Itabaiana com a singular casa de farinha: beijus, pés de moleque, amendoim torrado.  O restaurante do Pirata em pleno oceano verde. Os Falcões nos paredões da serra lendária de Belchior Dias das minas de prata escondidas, e de saracuras solitárias nas manhãs orvalhadas e estardeceres sanguinolentos. 

“Dia 10 de outubro, sexta-feira. Dia dedicado à procura de amigos. Após o café, rumamos à Avenida Ivo do Prado para localizar a morada da jornalista Ilma Fontes. Não tardamos a encontrar. Ela nos recebeu e batemos um longo papo. Edita o jornal “O Capital” que tem publicado muita coisa minha e a meu respeito”.

E Clarêncio Martins Fontes que ninguém encontra! Correspondente volátil, fugidio...

“Dia 13 de outubro, 2 feira, 10 horas – rumamos para a sede da Associação Sergipana de Imprensa...  Clarêncio Martins Fontes está a espera. Apareceu então o escritor Antônio Francisco de Jesus, o Saracura, e entrou na roda. Ofereceu-nos um de seus livros (Os Tabaréus do Sítio Saracura)”.

Foi nessa rápida referência que conheci Enéas Athanázio.  Clarêncio havia me convidado, por isso eu apareci. Não sou assim sortudo para ganhar rifa sem manha.

Acabou a viagem com retorno a Camboriú, terra de belas mulheres, onde Enéas escreve belos livros e recarrega as baterias para botar, outra vez, o pé na estrada levantando pó perfumado.

(Antônio Saracura, Aracaju 11/08/2016)





    

O REDUTO DE NHÔ NHÁ, Enéas Athanázio

O REDUTO DE NHÔ NHÁ, Enéas Athanázio, 2015,88 páginas,editora Nova Letra, isbn 978-85-7682-967-6            

Vi Enéas uma vez, e rapidamente, quando passou por Aracaju em uma de suas peregrinações culturais. Ia ao Piauí, pelo que entendi. Estava com a esposa. Isso nos idos de 2014. Trocamos livros e ganhei “O Cavalo Inveja e a Mula Manca” que li e redigi uma rápida resenha, na qual digo (entre outros dizeres):

Contos curtos, úteis, ricos em raízes de nosso povo que é o mesmo povo, esteja em Santa Catarina ou aqui em Sergipe. (...)  Enéas resgata casos pitorescos, o linguajar peculiar, o espírito irônico de um povo simples e de boa fé. É o mesmo que eu tento fazer aqui com minhas garatujas”.

Prosseguimos ligados pela literatura e recebi, depois, mais livros de Enéas: “O Reduto de Nhô Ná”, “O Pó da Estrada”.

O Brasil precisa ler mais este homem.

“O Reduto de Nhô Ná” eu li de um tapa. Crônicas e contos que não têm preço. Leitura agradável.

Conheci as aroeiras (eu nem sabia que havia as mansas e as bravas, mas saber não ocupa lugar e é bom saber na hora de beber o chá).  Campos Novos parece muito com a minha Itabaiana, muito mais fantasia que real, isso para quem não as conhece de perto. Orestino de língua afiada, o rei da vida alheia, em todo canto há. Agoniei-me com a cidade fantasma, tudo no lugar, mas sem gente e sem bicho. Talvez fosse um jogo de peladas, fica no talvez, o autor sai de fininho.

Minhas memórias dos outros sobre o Contestado, que pouco eu sabia até então. Vagas referências dos livros de história. Também lá, monges penitentes, com cruz no pescoço, tentaram criar uma nação justa. Antônio Conselheiro ou João Maria são nossos heróis que a história oficial apagou. Como aqui, as estações de trens que faziam o progresso da nação, ruem abandonadas. Trilhos enterrados pelo monturo e capim enramado. O apito do trem noturno foi trocado pelo vigia do quarteirão fazendo de conta que espanta a vagabundagem.  Tanto sangue derramado, tantos sonhos, tanto sacrífico, por nada. Enéas aponta o dedo em riste ao Brasil relapso que constrói o futuro promissor e o destrói irresponsavelmente.  Percival Farquhar findou quebrando... Tanto quis, tanto tomou, e, de nada adiantou.

A saudosa Calmon perdeu a estrada de ferro, ganhou abandono.  Chiquinho Alonso, com apenas 16 anos, levantou um povo valoroso contra os exploradores. Retorna o vento quente do Contestado querendo vingança pela morte de seus líderes iniciais (João Gualberto e José Maria), e varre encrespado os campos de quase um Brasil inteiro.

Enéas Athanázio sai do imaginário e retorna ao mais imaginário ainda, sai do Contestado histórico e de sua geografia básica e entra no contestado lendário que incendiou a imaginação do menino de oito anos. O rio Iguaçu encanta. As margens povoadas de casas da zona conflagrada (baixo meretrício) atiçam a imaginação do futuro cronista. Reminiscências de uma terra devastada. Para relaxar, embarquei na canoa “Winnetou”... Varei o Curdistão Bravio, as savanas vermelhas, os desfiladeiros dos Balcãs e outros recantos remotos da terra. O que não faz um grande escritor? 

NhôNá, apelido de Genoval Campolim, vem do sul, escapando de gente vingativa e constrói a fazenda Tabuão, uma nação independente. Há, no ar, o cheiro de farwest americano. Ele lavou as mãos na gamela, com sabão de cinza, e ficou pensando que poderia ser o rei desse mundão todo. Homem irrequieto, não nasceu para convento. Ganhou confiança, foi às farras do passado, que o fizeram correr de sua terra. Mais uma vez fica provado que o crime não compensa e não há homem invencível.  Mesmo que sejam heróis nascidos nas páginas dos romances.

O autor busca, como faço aqui em Itabaiana, criar a biografia de um povo desbravador, religioso, trabalhador, sofrido, injustiçado, valente, fanfarrão, equivocado às vezes... O povo de Santa Catarina e do Paraná, o povo brasileiro, pois é todo assim. Precisa que os escritores contem a sua história gloriosa ou nem tanto assim. Como faz Enéas Athanázio com invejável brilho.


(Antônio Saracura, Aracaju, 10/08/2016)

terça-feira, 9 de agosto de 2016

GALO BOTA OVO?, Laura Cortez Diniz Monteiro

GALO BOTA OVO?, Laura Cortez Diniz Monteiro, Lacre, 2016,32 páginas, ilustrações, isbn 978-85-64833-24-1


Sinto-me acanhado em escrever sobre livros, especialmente livros infantis e livros de poesia.  Também romances, crônicas, contos, ensaios, etc. E por que então me meto? É que ninguém tem feito isso por essas bandas sergipanas... Quase ninguém. Tento despertar alguém, depois saio de fininho.

Quem escreve e publica livros quase sempre é senhor absoluto de suas verdades. Experimentou, ensaiou e, por fim, depois de muito melhorar e depurar, libera o filho pronto pra vida. E aí vem um vizinho bisbilhoteiro ou mesmo um cabra intrometido que nunca viu na vida, falar dele? Tecer considerações que podem até ser desairosas! 


Falar é um verbo cheio de significados intrínsecos. Veja o caso de mulher falada! Até falar bem, muitas vezes magoa. E falar de livros especialmente. Requer ousadia, coragem em demasia. Livros possuem mistérios escondidos que, muitas vezes, até o autor desconhece.  Os infantis, que é o nosso caso agora, buscam encantar/informar um povinho puro que acata silencioso (em princípio) as lições, incorporá-las ao íntimo e, anos depois, na vida adulta, transformá-las em bons atos. Um pouquinho de veneno pode ser remédio que cura (o milenar arsênico) ou também pode ser o tempero de um prato delicioso (pirão de baiacu, em Viva o Povo Brasileiro de João Ubaldo). Dependendo do contexto, a mesma lição ensina o bem ou o mal. Uma vírgula mata o homem.

Pascoal (Domingos Pascoal de Melo, da Academia Sergipana de Letras), meu guru tupininquim e pagé poderoso de muitas tribos, sempre está me dando missões: leia este livro infantil: “O Galo Bota Ovo?”, faça uma avaliação. 

Boa letra, visível até a um velho míope de óculos arranhados, o meu caso. Bonitas gravuras povoam o texto, ilustram a narrativa com coerência, permitem leitura sem olhar as letras e que satisfaz. O enredo é lógico, claro. Questões cabíveis, comuns à criança. Como também as explicações evasivas dos pais, tios, avós e outros adultos, fogem ao âmago, arrodeiam, fazem ameaças veladas (“essa menina não tem jeito”), tentam inibir a natural curiosidade. Custava fazerem uma analogia entre a mãe (que gera e pare) e o pai (que apenas insemina)?  Mas uma criança assim perguntadeira (incentivada pela atenção recebida sempre), há quem aguente?

Há pontos que me deixaram intrigado... Havia galos (mais de um) no terreiro da história. A um galinheiro, como a uma nação, cabe apenas um galo, um mandão, ou vira uma contínua disputa... Eram assim os terreiros de criar galinha nos sítios da Terra Vermelha. Reconheço, entretanto, que a diversidade é uma riqueza desse imenso Brasil: costumes, usos das palavras (choco, postura) e modos de operar o quotidiano. Até a ciência de conseguir paz em um galinheiro doméstico.

GALO BOTA OVO?

Um instigante título, uma edição nobre, um agradável texto até para gente grande. E gratas reminiscências, como indica a autora (setentona, avó de Romeu com dois anos, e mais outros): “quando você crescer vai conhecer um pouco da infância da vovó Laura”.


(Aracaju, 07/08/2016)

domingo, 7 de agosto de 2016

O INTRUSO Lemniscata, J Ribeiro Neto

O INTRUSO Lemniscata, J Ribeiro Neto,310 páginas, 21cm,2011,ISBN: 978-85-63318-11-4


Você sabe o que significa lemniscata? Eu não sabia e confesso que está me dando trabalho deglutir esta peça da geometria. Não se assuste com a minha ignorância. É que andei a vida inteira nadando em águas rasas, que sempre davam pé.  Depois daquela experiência no meio do Atlântico, na praia de Atalaia (veja “Meninos que Não Queiram ser Padres”) nunca mais arrisquei ir a fundo em nada. Nem na água, nem na literatura, nem na vida”.

'Lemniscata' é um mistério que reúne troca de identidades, enigmas criptografados e o mapa de um tesouro desconhecido do Rio de Janeiro do século XVI, tendo Portugal, Ilhas do Pacífico e a Cidade Maravilhosa como cenários. Google Books (google).


Vou dizer logo o que me instigou em ler o livro de J Ribeiro Neto.

Tidê, o revisor da editora Segrase, disse a outro funcionário (eu escutei, estava próximo) que “O Intruso” era muito bom. Quando o livro saiu, Vieira Neto (jornalista e crítico literário) escreveu na sua coluna do jornal “Do Dia” que estava lendo e gostando. Ana Medina, que participou da comissão da avaliação das obras inscritas no concurso onde o livro foi premiado, elogiou a erudição do autor que ela ainda não sabia quem era.

Além disso, o livro foi premiado na categoria Romance, no mesmo concurso em que “Minha Querida Aracaju Aflita” (de minha autoria) recebeu o prêmio na categoria Crônica. Prêmio da Secretaria de Cultura de Sergipe, a última edição, em 2010. Depois nunca mais houve outro concurso desses. O autor, que conheci na Segrase enquanto nossos livros eram editados, foi simpático, tratou-me bem. Então achei que o deveria conhecer melhor lendo sua obra.   

Repasso abaixo as minhas observações rabiscadas aqui i e acolá, quando achei que precisava fazer, ao ler o livro:

(Página 66) – “muito confuso. Onde está o fio da meada”.
(Página 72) – “a história prossegue sem me fisgar. As frases são bem construídas, mas o enredo foge-me a cada momento”.
(Página 82) – “este capítulo começou me segurando. Achei que engrenara finalmente. Perdi-me outra vez”.
(Página 90) – “bonito capítulo, mas estéril, como se fosse isopor colorido.  Sinto-me dispersivo, incapaz de me concentrar o tanto necessário para pegar a trama do livro”.
(Página 103) – “melhorou.  O texto em itálico, apesar de ter me parecido alienígena, me agradou.  O autor conhece o meio que descreve, tem cultura bem sedimentada, percebe-se nos diálogos, nas considerações.  Mas continuo indignado, o livro ou eu estamos demorando muito a nos entrosar”.
(Página 107) – “será que estou perdendo tempo?”.
(Página 114) – “retiro que falei atrás. Entrei no romance, finalmente”.
(Página 117) – “espetacular”.
(Página 123) – “gostei dessa parte, mesmo achando Flávia artificial e inconveniente”.
(Página 130) – “e essa morte agora surgindo do nada? Pelo menos para mim. Vou avançar mais um pouco, quero ver se acho justificativas”.

(Página 145) – “outra vez o livro fica cansativo.  Diálogos inúteis”.
(Página 153) – “bom os resmungos do delegado”.
(Página 156) – “O capítulo em si foi compreensível. Mas, para que?”
(Página 164) – “bom diálogo. Mas é necessário à trama?”.
(Página 177) – “excelente. Esclarecendo dúvidas anteriores.”
(Página 186) – “muito bom. O livro volta a me cativar”.
(Página 194) – “ainda me perco com os personagens, são vários. O autor os nomeia por nomes completos aqui, partes do nome ali, apelidos acolá.  Fico perdido, pedindo para ser apresentando e são velhos conhecidos.  Encabulo-me. Lição para meus livros: nunca usar nomes variados para o mesmo personagem. Nem usar nomes parecidos para personagens diferentes. Mesmo assim, gostei do capítulo”.
(Página 205) – “outra vez me perturba o excesso de nomes que cada personagem tem. Por exemplo: Elbinha, Caboclinha, Bruxinha, Binha, etc... são nomes à mesma pessoa.”
(Página 210) – “novos personagens aparecem. Para que?  E com apelidos (Lady Murphy)”.
 (Página 215) – “suspense espetacular”.
(Página 218) – “gostei muito”.
(Página 229) – “capítulo muito bem escrito.  Cada coisa no seu lugar”.
(Página 237) – “muito boa esta parte”.
(Página 241) – “muito bom capítulo”.
(Página 252) – “diálogo politicamente incorreto. Não precisava (Juiz)”.
(Página 255) – “bom capítulo. Bom final com suspense”.
(Página 266) – “os personagens com vários nomes ainda me confundem”.
(Página 287) – “achei meio infantil a enxurrada de esclarecimentos do delegado, quando o romance não o criou como um investigador capaz dessa análise toda”.
(Página 292) – “bom”.
(Página 306) – “fim morno. Mas o livro foi interessante. Apenas no começo me cansou, demorou muito a me fisgar. Talvez por culpa minha. Ando meio dispersivo”.

(Aracaju, algum dia entre julho e dezembro de 2011)



O EMBLEMA DO MAR LUMINOZO E DNOKSUÁ. Manoel Rodrigues Mariu

O EMBLEMA DO MAR LUMINOZO E DNOKSUÁ. Manoel Rodrigues Mariu, edição do autor, brochura, 44 páginas,1914, sem isbn (na época nem devia existir)


Escutei, algum dia atrás, no meio de uma conversa dispersa (não recordo o contexto), Luiz Eduardo Magalhães citar a palavra Dnoksuá e dar um risinho com apenas uma banda da boca, denotando malícia. Fiquei intrigado. Sou assim mesmo, quero sempre navegar por mares conhecidos. Intimamente, renego minha ascendência do navegador lusitano, que todos dizem que os brasileiros temos. Aquele que aventura, que parte seguro ao desconhecido. 


Anotei a palavra.

Nem precisei enfrentar os bloqueios que me povoam em perguntar ao gestor do grupo “Fórum de Debates Luiz Antônio Barreto” o significado da bizarra palavra. Ela retornou em forma de uma missão: entregar à Murillo Melins, meu vizinho na época, uma cópia de livrinho, Dnoksuá, em um envelope fechado.

Antes de mais nada, digo que Luiz Eduardo é um intelectual solidário. Poderia ficar em casa, à noite, usufruindo seu merecido repouso por uma vida inteira de nobres missões, mas participa de fóruns de debates (como este que citei acima), disponibilizando experiência, parcimônia, liderança inconteste e vital à este tipo de evento. Murillo Melins é outro intelectual de destaque, autor de livros sobre nossa terra: Aracaju Romântica que Vi e Vivi e, recentemente, Aracaju Pitoresco e Lendário. Murilo tem uma memória fantástica, da qual nada escapa, até o grampo enferrujado a prender as transas da princesa Isabel, com quem seu pai conviveu. Sua memória é cumulativa, retem a das gerações ascendentes.

Já que havia entrado na corrente, cumprir uma tarefa de entrega, quis saber se eu poderia abrir o envelope e tirar uma cópia xerox para mim. Por que negaria? Luiz complementou que o tal livro compõe-se de revelações de um cidadão quiçá avariado do juízo, editado há muitos anos e ainda lembrado apesar do absurdo narrado. Manoel Rodrigues Mariu sergipano, de Neópolis, autor do livro, falecido há anos, é conterrâneo Murillo Melins e foi amigo do pai, frequentou a residência dos Melins assiduamente.

E lá fui eu ler o tal Emblema, letras gastas pelas muitas cópias tiradas desde 1914. 

Mariu demonstra matematicamente a sua teoria sobre a forma de sobre o giro da terra, a existência de planetas e muitas outras verdades atuais comprovadas de maneira contrária. Busca dissipar as trevas que envolviam a humanidade (parte dela, ainda hoje persistem em alguns nichos) em uma época  crendices. .

Umberto Eco precisava conhecer essa obra. Baudolino ganharia algumas páginas a mais (a exemplo da carta e Preste João, ou da viagem de Pedro de Corvillhã). Senti o ar abafado do inferno de Dante, ao tentar entender as singulares explanações de Mariu. Os círculos me envolveram na forma de duas grandes esferas (uma representativa e a outra ocultativa) e das cavernas, sete pelo Leste e cinco pelo oeste.  “Além dos oceanos, há um mar luminoso no qual salienta-se uma grande pedra, de formato oval, contendo no centro uma grande força magnética”.

E por aí vai...

O autor justifica e explica os fenômenos da natureza a partir dessa sua base instalada: 

“Capitulo VII – Surgem da margem da pedra elétrica uma fumaça vermelha, dando calor ao sol e retirando das madeiras três substâncias: água, óleo e resina que sobem celestialmente até visarem com a linha da eletricidade do mar luminoso. Seguem sobre camadas até encontrarem-se com as espirais dessa fumaça vermelha e transformam-se em ar que sopra em todas as partes, alimentando a toda existência. Este ar chama-se “Buga”, e não vento”.

Nesse mundo tem de tudo. Se não avalia esse DNOKSUÁ.


(Aracaju, 07/08/2016)

sábado, 6 de agosto de 2016

SARGENTO GETULIO, João Ubaldo Ribeiro

SARGENTO GETULIO, João Ubaldo Ribeiro,Objetiva Ltda, Rio de Janeiro,5 Edição,175 páginas,edição bolso, isbn 978-85-390-0013-5
Edição o bolso


  


Não tenho a base cultural dos professores universitários e dos críticos literários que escrevem nos jornais ou falam na televisão.  Se eu conheço alguma coisa, é por conta da osmose, de ter passado minha vida toda me esfregando em livros, sem disciplina nenhuma, infiel, volúvel, experimentando os sinais captados, saboreando, solitário, ou compartilhando na intimidade de meu lar, a arte de meio mundo de gênios. Leio pelo prazer que me dá a leitura. Não me preocupo em reter saber, mas se ele fica, comemoro e compartilho.




Dizem os amigos que eu sou um rato de livrarias, uma traça de bibliotecas. Desde minha adolescência que as frequento com volúpia. Nem sempre compro ou tomo emprestado um livro de primeira. Folheio-o, corujo resumos e figuras, mergulho em páginas aleatórias. Dependendo do que me acontecer em seguida (nos dias ou nos momentos seguintes), retorno e vejo melhor algum ponto que me intrigou. É assim que seleciono minha leitura, aquele livro do qual ninguém ainda me falou.

A semana passada, eu folheei na Escariz do Shopping  Riomar, o livro “Sargento Getúlio”, de João Ubaldo Ribeiro. Já fizera isso com outras obras do mesmo autor. Arreneguei “Os Budas Ditosos”, meus alarmes íntimos (aqueles instalados numa vida inteira de doutrinação) dispararam em cadeia, já na primeira página. Não que Ubaldo fosse um desconhecido, mas o Sargento Getúlio passava em branco por mim sempre.

Agora terminei de ler o Sargento Getúlio de João Ubaldo. O autor viveu em Sergipe apenas dez anos de sua infância, mas nos dá uma obra de pura sergipanidade (Luiz Antônio Barreto), sem tamanho, de tão grande que é.  O livro assusta de início pela escrita densa, até complexa, quase sem intervalo para se respirar. Um monólogo ininterrupto: a divagações de uma mente primitiva, mas lógica.  Entretanto, ao se pegar o fio da meada, a leitura corre prazerosa. Um mundo intenso e espetacular abre-se, habitado por duendes, por monstros, por cavaleiros do apocalipse, todos estranhamente familiares, amigos da infância, metade fantasia e na outra metade, iguais a gente mesmo.

Encantei-me com a firme determinação: ordem dada, ordem cumprida. Com o orgulho nativista. Com o remoer filosófico. Entrei na conversa melindrosa... Por que deixaria o homem falar sozinho? Uma viagem de Paulo Afonso à Aracaju, que termina na Barra dos Coqueiros, quase no destino, de uma maneira triste para mim. Eu torcia pelo sucesso, como se fosse minha também: entregar a encomenda udenista ao encomendador mesmo que ele não mais quisesse.

Cada pedaço de Sergipe, ou é pisado e comentado pelo Sargento e por seu motorista Amaro (dirigindo um velho Hudson), ou é lembrado por “serviços” executados anteriormente. Uma boa prosa, em tom de confissão. A história de um povo bárbaro. Cão na Moita (Jackson da Silva Lima) tem o mesmo cheiro telúrico e de carne fêmea que arrepia: profundo, incomparável.  Por que me veio agora lembrança desse Cão que não veja a um tempão?

João Ubaldo, como sargento Getúlio da gloriosa polícia militar sergipana, Getúlio Santos Bezerra, prende e carrega o leitor em idas e vindas pelo tempo e pela geografia dos sertões, do agreste e do litoral desse pequeno e, ao mesmo tempo tão surpreendente e vasto Sergipe. Prende e não solta jamais, de jeito nenhum, nem com ordem expressa do governador ou dos santos do céu. E ao final de tudo, pois nada é eterno, o leitor sai meio doido, falando línguas estranhas e confessando, sem bloqueios, todos os pecados, como se prestando contas no juízo final do apocalipse.

Que terra macha é esse meu Sergipe (e Itabaiana conduzindo a tropa)!?

E vocês, que sempre estão me questionando tacitamente, não perturbem. Se não gostam de minha escrita que a deixem de lado, que ninguém é obrigado a me seguir. E desde já saibam que eu “não escuto liberdade, não converso fiado, não falo de mulher, não devo favor e não gosto que ninguém me pegue.” Esconjuro!

Só me resta, como humilde leitor, agradecer a este baiano doido, chamado João Ubaldo Ribeiro que, como Elbert Hubbard deu ao mundo Roswan (Mensagem a Garcia), ele nos deu o Sargento Getúlio e toda a sua consciência exposta, que transcende a cultura de nosso sertão medieval e dessa Aracaju metida a moderna. Como pode alguém produzir uma obra do tamanho de Sargento Getúlio?

Um livro assim deveria ser homenageado em cada praça, em cada encruzilhada, em cada porteira de fazenda, em cada santa cruz, em cada púlpito sagrado ou profano.

(Aracaju, junho de 2011, e revisada em setembro de 2016)

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

TEMPO DE ALMAS E ANJOS, Expedito Souza,

TEMPO DE ALMAS E ANJOS, Expedito Souza, Jandrade 2016, 298 páginas, isbn 978-85-8253-158-7



Logo de início, ao ler o título do livro, pensei em assombração. Por causa das almas. Ver alma no meu tempo de menino, no povoado Terra Vermelha de Itabaiana, era encontrar alguém que já morrera: Caveiroso, nos ermos das noites. Elas zanzavam em todo lugar, mas o Cemitério do Rumo no Pé do Veado era o rancho preferido. De arrepiar os cabelos. Deus me livre!

Os anjos, por sua vez, também são espíritos do além, almas de criancinhas de peito ou acessórios de santos no altar das igrejas. E mesmo que nos apareçam, não assombram quase nada. Para mim, tanto as almas com os anjos, que fiquem no limbo, no céu ou onde for.  Prefiro encontrar com gente viva, mesmo correndo perigo, quando estes vivos são malfazejos, cada vez mais comuns.

Então vou deixar para ler o livro à luz do dia... Um intenção fátua que veio por engano e se foi na mesma hora. 

Não tenham medo dos casos (contos, crônicas, simples relatos ou notícias) que estão no livro de Expedito Souza. São Almas e Anjos do bem, não assustam ninguém. São tão reais e bons que podem ser considerados anjos da guarda de um grato passado. A sua aparição, mesmo nas lúgubres madrugadas, agradam, emocionam e mexem com os sentimentos mais nobres que habitam o ser vivente, mesmo que este seja um pecador como eu.

Singelas histórias, infantis até. Poderiam, na sua maioria, receberem gravuras e povoarem bibliotecas de jardins de infância. E provavelmente povoarão, após lidas, o jardim de nossa infância longínqua, tenhamos tido ou não a ventura de ter nascido o Riachão do Dantas de Expedito Souza. Histórias que revelam, com humor, o cotidiano de uma família comum, de um povo inteiro, na modorra de uma cidadezinha perdida nos cafundós ou na progressista capital. Algumas aparentemente fúteis, mas todas cheias de lembranças que jamais poderão se perder. Lembranças que sustentam a nossa boa essência humana.

“Tempo de Almas e Anjos” são tempos revelados e oferecem momentos de enlevamento. Impagável enlevo! É assim que fluem as páginas fagueiras, às vezes surpreendendo, às vezes divertindo, e sempre mostrando uma época cara. Honra e glória à infinidade de personagens que o autor destaca: amigos de infância, pessoas ilustres, tipos folclóricos, chefes bons e outros nem tanto, pais de família, serviçais, irmãos, primos. Até eu, se bem que, desta vez, nas sutis entrelinhas dissimuladas. E também honra e glória aos lugares sagrados onde o autor passou a vida toda ou um rápido momento, no tempo de infância ou na idade madura, como foi o livro anterior “Relógio do Tempo”, que faz e fará sempre sucesso.

À uma resenha cabe muito mais do que escrevi até agora, como a engenharia e a geografia da obra. Para não perder o leitor que chegou até aqui, digo apenas que são 294 páginas de boa leitura, 80 títulos, mais ou menos 300 personagens, muitas locações... tiradas inteligentes. Muito gozo e pouquíssima dor, ainda por cima, pequena.


(Antônio Saracura, Aracaju, 04 08 2016)