domingo, 17 de julho de 2016

ACONTECEU NO NATAL,Geri de Dante,

ACONTECEU NO NATAL,Geri de Dante,Infographics,75 páginas,Isbn; 978-85-908541-1-1


Vez por outra nas minhas andanças pela WEB um ser estranho, de nome não mnemônico, acena-me, de longe e, nas vezes que se aproxima eu me afasto prudente.  Percebo-o grudento, que é melhor nem arriscar tocá-lo, sob pena de depois não conseguir mais retirar-me de seu espaço.  

O que acabo de dizer faz parte do mundo dos sentimentos sutis, inconscientes, tratados por um sentido além do sexto, talvez. 

Nas minhas andanças pelo mundo real, há duas semanas, fui ao colégio Roque em Campo do Brito, convidado pelo professor Berg, para participar de um evento literário. Esse tipo de convite dá-me a chance de divulgar os livros que publico e só os recuso quando não consigo desmarcar outro compromisso.  E esse era irrecusável porque   duas turmas de colégio estavam há dois meses dissecando “Os Tabaréus do Sítio Saracura”, sob a égide do professor citado, de quem me sinto eterno devedor.

Eu já conhecia o colégio. Mesmo antes de ter passado uma manhã convencendo as duas turmas a investirem na literatura que produzo. O colégio Roque acomodou minha seção eleitoral quando possuí uma fazendola em Campo do Brito, a Saracura, no pé da serra de São José, do lado de cá, num povoadozinho chamado Sariema. Vendi-a ao mecenas das artes Joaquim Macedo. Sempre que  passo em Campo do Brito, está no meu caminho Itabaiana-Lagarto, vou tomar sorvete na praça da Boa Hora,  comprar bolachas volta-ao-mundo na padaria do Posto, ou visitar dona Nininha e Tonho das Dores, antigos empregados e a quem me liguei por laços indeléveis de amizade.

Senti-me em casa no evento literário do Colégio Roque na tarde do último dia 22/08/2014.

Houve um poeta declamando poemas de sua lavra que me encantaram. Houve um jovem aluno premiado (primeiro lugar) em um concurso nacional de contos, patrocinado pela Prefeitura de Teresina,no Piauí. Houve Flávio Passos, da UFS, que vem fazendo um profundo estudo sobre “Os Tabaréus do Sítio Saracura” e me deixou todo concho. Houve um jovem romancista, houve uma filha de Terra Vermelha (essa do Brito) que nos encantou a todos com seus versos educativos, e houve Geri de Dante.

Ao dizer-me seu nome, Geri de Dante, lembrei da web e me assustei. Nunca imaginei que Geri fosse um britense, virasse lobisomem também.  Achava que era um vírus, um hacker, um chinês, um japonês kamikaze.  Mas Geri estava ali na minha frente presenteando-me com “Aconteceu no Natal”, que retribuí com “Meninos que não Queiram ser Padres”, o romance que está se esgotando, mas era o que ele queria.

Geri de Dante fez uma apresentação em espanhol, e, de novo, acendeu em mim o medo sentido na WEB.

Eu trouxe “Aconteceu no Natal” para casa e agora a pouco acabei de ler. Ainda estou enxugando as lágrimas e disfarçando para que minha esposa não me tire o pelo. Ela acha que eu choro demais! Deixe ela ler!

“Aconteceu no Natal” é uma peça teatral infanto-juvenil, de pouco mais de meia hora de leitura. Mas o autor cria o clima real, faz de seus personagens gente viva, e toca fundo na alma do leitor. “Por alguns momentos não parecia que eu estava lendo, mas assistindo a um filme”, como escreveu Thiago de Souza Leite, de 16 anos, na contracapa do livro. Nunca mais vou tentar fugir de Geri Dante, pois seu livro foi um bom companheiro, escrito em português, real.


(Escrita em algum dia, dois antes de hoje 17/07/2016) 

ACONTECEU EM SANTANÁPOLIS, Artur Oscar de Oliveira Deda

ACONTECEU EM SANTANÁPOLIS, Artur Oscar de Oliveira Deda, 2015, J. Andrade,130 páginas, isbn 978-85-8253-101-3


Depois de “Histórias de Vários Tempos”, boa leitura, espetacular, Oscar Deda, desembargador já a algum tempo fora da caserna, brinda-nos com uma gostosa fábula, sátira, romance de costumes, “Aconteceu em Santanápolis. 


A capa é uma bela tela de Ézio Dêda, bucólica: uma casa simples sob uma árvore desfolhada, como muitas casas que podemos encontrar nos campos de nossos sertões. Há uma flor vermelha viçosa no jardinzinho à frente, nessa casa habita a poesia.



Artur é natural da cidade de Simão Dias, naturalidade que ostenta com orgulho. Os filhos de lá, como os de Itabaiana, não se contentam apenas em amar, apregoam o sentimento aos quatro ventos ou até à mais se houvesse.  Como os itabaianenses tem Santo Antônio, Simão Dias tem Nossa Senhora Santana, uma padroeira poderosa. Eu sou devoto de Santo Antônio, por tradição e convicção. Artur mostra-se devoto da Santa padroeira e dos valores sagrados desse povo.

Além da boa escrita, vernáculo que flui gostoso, “Aconteceu em Santanápolis” é embelezado com gravuras à bico de pena, ilustrando cada caso ou situação narrados. Naelson Belém é indicado como autor, mas as gravuras têm a mesma alma da prosa, como se tivessem saído da mesma nascente, geração espontânea a partir do texto consistente e forte, filhas do próprio autor Oscar Deda.

O livro compõe-se de três partes.

A primeira: A Morte do Boêmio. O doutor Reginaldo Lira veio aprontar em Santanápolis, usufruir do bar de Sandino (um cabaré de primeiro mundo) e colocar em teste a medicina do médico Zoroastro Boaventura (fraca demais quando o caso era grave). Reginaldo morreu em batalha, na boemia inveterada, aproveitando o que podia desse mundo passageiro demais. Mas causou um furdunço danado em Santanápolis, quase forçou o adiantamento do jogo Brasil e Uruguai pela copa do mundo de 1950.

A segunda parte: Meses depois. O sepulcro caiado, padre Antônio Diamante fugiu com a mocinha ingênua a quem ensinava os princípios de uma formação cristã (certamente o princípio de um novo cristão). Novo vigário em Santanápolis. E Jaime Bandeira ganha corpo no capítulo quatro (excelente, lembrou-me o seminário de Meninos que não Queriam ser Padres): as pernas da professora Figueiroa (no caso uma aluna)  fez Jaime misturar também “as contas”. A paixão por irmã Terezinha replicou em Bandeira. A declaração de amor através do soneto de Guilherme de Almeida (original Arvers) e o seu Meneguzzo implacável encurralou-o. Teve que abandonar a batina. Agora em Santanáplis, por conta de concurso e de bom emprego, Jaime Bandeira, quer Lourdinha de Amélia, muito mais do que a aluna de lábios carnudos ou a freira do soneto de Guilherme. Que noite de amor (capítulo 7)! Que triste partida (capítulo 8). Lourdinha quase morre, foi salva pelo médico Zoroastro...

A terceira parte acontece trinta anos depois: O retorno de Bandeira à Santanápolis. Matar saudades, rever velhos amigos.  Na igreja, sem ser notado, depara-se com Lourdinha de Amélia, seu amor das noites cálidas, de fogo mesmo, agora esposa do médico Zoroastro, acompanhada de um moço: imagem dele próprio naquela idade. Certamente seu filho, do qual nem sabia da existência, puxando sua perna, ligeiro estrabismo no olho direito; seus perfeitos traços.

“Foi-se embora com a alma coberta de cinzas e a saudade derramando dos seus olhos”.


XXX

Não se enganem com o pequeno volume do livro (127 páginas). É denso, mostra uma cidade inteira com seus tipos, seus costumes, verve e muito mais. Erudição em cada frase. Eu me assustei, e corri também me esconder, quando a inhambupé cantou aflita, percebendo a aproximação do caçador: “luiz... corre meu filho!”.   Para cada fato narrado, aparecem, como se fossem links milagrosos, personagens marcantes da cidade em alguma época: hilários, irônicos, folclóricos. Passam rapidamente, o livro é curto, mas dão o recado bem dado, revelando a riqueza do quotidiano da aldeia. Maria de Bão, a gorda Osmunda, Zé Soldado, Zé Bodinho, Sandino, a franzina Marina sempre de rosto empoado, o coveiro Paiaiá, o espanhol Cesário, Deolino, o médico Zoroastro Boaventura, Jaime Bandeira, os vigários, e muitos outros.

Há carros de bois, automóveis, pensão acolhedora, a confidente praça da matriz, a moça Terezinha apaixonante e colírio para qualquer olho nevoado pelos anos.

Há um bom romance de memórias que Simão Dias deve comemorar.  E todos que gostamos de ler, aplaudir.