sexta-feira, 24 de junho de 2016

LEANDRO (RIBEIRO DE SIQUEIRA) MACIEL, Ibarê Dantas,

LEANDRO (RIBEIRO DE SIQUEIRA) MACIEL, Ibarê Dantas, Criação (2009),Sercore Artes Gráficas,482 páginas, Isbn: 978-85-62576-00-3



Assisti a ressurreição de uma figura do limbo do passado, como outros muitos ainda há. Pelo menos para mim.  Nas 482 páginas (e oito anos de labuta intensa, pelo que ouvi ou li em outro lugar), o historiador Ibarê Dantas deu corpo e alma a uma importante personagem da nossa história. E trouxe junto, a história viva de uma época. Infelizmente, os engenhos Serra Negra e Entre Rios hoje são pastos para o gado e ruínas quase apagadas. Não há santo que os faça moer outra vez. Mas o dono deles aparece vivo: empresário de sucesso, político atuante; e um mundo enevoado ressurge claro da pena do escritor.

Confesso que andei me perdendo aqui e ali na leitura, até supus redundâncias em alguns pontos, informações aparecendo do nada, em outros. Uma releitura poderia me fazer bem, devo ter deixado escapar (ou replicar) dados, pelo pouco preparo em história. Mas meu tempo é curto e preciso ler outros livros.  O melhor que faço é assumir como avoada minha, que costumo mesmo dar desde as missas no seminário em minha adolescência.

Como fiz uma ligeira restrição acima, apresso-me em ser justo quanto ao conjunto inteiro, que me arrebatou. Apesar de ser história (pura ciência) pareceu-me romance de capa e espada ou doce poema. O rapto de Jurema é descrito espetacularmente. Andei pelo mato escondendo-me como fazia a tropa de Braz com o fruto do rapto. O desenlace é patético. Como puderam os pais de Jurema receber a filha em casa de volta? Afinal, foram muitos dias de convívio íntimo, quando o casal teve tempo de sobra para consumar fisicamente a união. A fuga de Brás do júri, sumindo das vistas do tribunal, indo para a Europa, onde viveu como playboy, daria um filme de arrepiar.

Tempos da independência, a vida na província, o final do império, o fim da escravidão, a nova ordem republicana, Pebas e Cabaús...  

Sobre a falência dos engenhos...

Certamente não foi decretada pelo fim da escravidão, pois, em 1909 quando Leandro faleceu, seus engenhos ainda pareciam prósperos.  Alguns anos depois de sua morte, o Serra Negra foi, entretanto, vendido em hasta pública.


Sinto que o livro merece muito mais do que disse, mas meu propósito é humilde, apenas noticiar sua existência, traçar um rápido e despretensioso perfil. No caso específico desse livro há algo (ficou-me a impressão disso) que não posso omitir: Um estudioso persistente e incansável como Ibarê Dantas pode recuperar o brilho de um passado perdido. A partir de um fragmento de mapa, achar um tesouro. 

Não há missão impossível para pessoas como Ibarê Dantas! 

(escrita em algum mês de 2010/2011)

MEMÓRIAS DE FAMÍLIA (O PERCURSO DE QUATRO FAZENDEIROS), Ibarê Dantas,

MEMÓRIAS DE FAMÍLIA (O PERCURSO DE QUATRO FAZENDEIROS), Ibarê Dantas,Edição do autor Orgrafic, Aracaju, 2013, 270 páginas, Ibsn 978-85-62576-79-9



Por que o passado me atrai tanto? Talvez porque o meu seja misterioso, só sei o que vi, isto é, conheço apenas a história dos meus antepassados como testemunho ocular, da convivência. Mesmo assim, muito pouco, minha memória é fraca. Afora isso, há um bisavô de quem tenho informações soltas, vindas de minha mãe que, por sua vez, soube-as por ter ouvido falar delas, pois ele faleceu antes de minha mãe se entender por gente.

O autor de “Memórias de Família” é um mestre em História (doutor na ciência).  Sua obra anda firme sobre bases concretas e comportadas... Não tão comportada assim, pois, aqui e acolá, o lirismo desponta e o historiador circunspecto segura com dificuldade as rédeas do ficcionista rebelado. Por este viés (do lirismo) é que andarei no livro, usando as palavras do próprio autor, que certamente eu não poderia conseguir melhores.

(Fazenda Boqueirão).

Entre o rio e a residência, numa pequena assentada, ficavam a casa do vaqueiro e o curral atravessado pela estrada real percorrida por transeuntes com destinos ignorados. Em tempos de muita chuva, havia o problema das cheias no rio Piauí, dificultando as travessias. Enquanto os animais passavam nadando, as pessoas atravessavam sobre dois cochos amarrados entre si e puxados através de cordas de uma margem a outra.

(No caso do Engenho Nova Lua do Salobro, de Davi Fontes).

Depois da libertação dos cativos, quase todos (os escravos) permaneceram na fazenda. Algum tempo depois, espalhou-se o boato: quem permanecesse trabalhando com o senhor voltaria a ser escravo. Então, todos arribaram. Permaneceu apenas uma velha mais apegada à família.

(Depois de participar da queima de uma roça).

Em 27 fevereiro de 1924, Francisco Dantas tomou água no Salobro e adoeceu, com febre indomável. (...) Uma semana depois, expirou. Tinha 51 anos, oito meses de três dias. Durante essa curta enfermidade, para não agravar a situação da esposa, que estava se recuperando de um abordo, o casal ficou em quartos separados.  Mesmo enfraquecida, na véspera da morte do marido, Thereza levantou-se com dificuldades e foi vê-lo. Chamou-o de “Sinhô, ô sinhô” e o marido, combalido, olho-a e balbuciou: “minha filha!”. Foram as últimas palavras dele. Tereza, fisicamente debilitada, sentia-se desolada e desamparada. Sem vislumbrar alternativas, desestruturou-se psiquicamente, ficou desatinada. No dia seguinte, caiu em desespero e enloqueceu. Faleceu em 04 de novembro de 1924, com 31 anos de idade. Deixou os órfãos:  Davi (10 anos), Celina (9) Odete (7), Nivalda (6), Vandete (5) e Clóvis (3).

(Riachão teria um colégio de freiras para educar suas filhas, finalmente!).

Como a procuração estabelecia que, se o colégio não funcionasse, a casa cedida voltaria ao doador, o padre Esaú Barbosa, certamente instruído por políticos contrários ao projeto, disse que somente aceitaria a doação se fosse doada definitivamente à Paróquia... Parecia que a incorporação da casa aos bens da paróquia prevalecia sobre a instituição de ensino.

(Riachão teria finalmente energia de Paulo Afonso).

 Horário Góes não concordou que a referida rede passasse por sua fazenda. Dr. Jorge Leite, ao saber da recusa, teria dito que já havia levado energia para vários municípios e nunca havia ocorrido um caso desse.

(A Residência de David Dantas, que tentou o colégio e a energia quando fora prefeito).

Virou alvo de bolas arremessadas pelos desportistas. Reclamava, falava com um e outro, mas não teve força política para que o prefeito (agora da oposição) colocasse uma tela de proteção ou mudasse o campo de lugar.  

(Quando a seca de 1932 chegou).

Dizem os mais velhos, seu Manezinho do Salgado, como era conhecido, dispunha de um compartimento de cerca de vinte e cinco metros quadrados cheio de milho até o telhado. Foi essa reserva que socorreu muitos retirantes que passaram por Riachão, em situação deprimente, em busca de paragens menos tórridas. Depois da seca, e já idoso, seu Manezinho continuava criando suas ovelhas, engordando seus garrotes e semanalmente vendendo para o marchante Dorico. Este, não raro, começava a pechinchar na segunda-feira e a conversa ardilosa prolongava-se até sexta-feira, quando o negócio era, finalmente, fechado e o boi levado ao matadouro.  

(Sábado cedo).

O barbeiro Damásio chegava ao Engenho Salgado para fazer a barba e o cabelo (de seu Manezinho). Ao tempo que ia exercendo seu ofício, aquele profissional ia contando suas histórias, algumas das quais inverossímeis.  Em uma (das inesquecíveis) assegurava que havia pegado um anjinho numa arapuca. Um anjinho Sarará...

Assim é Memórias de Família, uma leitura gostosa demais.  Nada do rigor acadêmico do professor formal.  Mais poesia do que mesmo reminiscência. Uma história que encanta, também pela escrita segura.

Sala de Leitura
Memórias de Família (O percurso de quatro fazendeiros), Ibarê Dantas,  Orgrafic, Aracaju, 2013, 270 páginas, Ibsn 978-85-62576-79-9  -  O autor é um mestre em História (doutor na ciência).  Sua obra anda segura sobre bases concretas e comportadas... Não tão comportada assim, pois, aqui e acolá, o lirismo desponta e o historiador circunspecto  segura  com dificuldade o ficcionista  que tenta se libertar.  Por esse viés (do lirismo) é que vou andar, usando as palavras do próprio autor, que certamente eu não poderia conseguir melhores: (Fazenda Boqueirão)... Entre o rio e a residência, numa pequena assentada, ficavam a casa do vaqueiro  e o curral atravessado pela estrada real percorrida por transeuntes com destinos ignorados.  Em tempos de muita chuva, havia o problema das cheias no rio Piauí, dificultando as travessias. Enquanto os animais passavam nadando, as pessoas atravessavam sobre dois cochos amarrados entre si e puxados com cordas de uma margem a outra. (O livro consagra qualquer família, se já não fosse consagrada, e engrandece um povo). 

(Publicado na revista Perfil ano 17 n. 1)

(Resenha escrita no final de 2013 ou início de 2014)


CHICO DE MIGUEL a História de um Líder, Carlos Mendonça

CHICO DE MIGUEL a História de um Líder, Carlos Mendonça,Gráfica J Andrade,Tamanho: 21 x 15,Páginas: 196, com ilustrações,Ano: 2011,Isbn: 978-85-60075-57-7.



Chico de Miguel recebe de Carlos Mendonça, desconhecido até ontem pelo meio cultural da moda, uma justa homenagem com este livro. É uma obra muito bem vinda. Mas acho pouco ainda. A intelectualidade quase sempre esquece suas estrelas e fica cantando vaga-lumes alheios. Não que os vagalumes alheios não tenham também que ser cantados! Mas precisamos escrever mais sobre a nossa gente, como Euclides, Manuel Teles, Chico de Miguel (em Itabaiana), Ribeiros, Almeidas, Reis (em Lagarto), só para citar alguns de duas cidades desse mundão de Sergipe. Precisamos de mil Carlos, mil Baldocks e Saracuras (brasas para minha sardinha), de mil Adalbertos, mil Florianos e LABs. E ainda será pouco para escrever tudo que se tem para contar.


Chico de Miguel merece, pelo seu papel na política e pelo carisma inquestionável, uma biblioteca inteira. Ganhou o primeiro tomo.

Acabei de ler o livro. Sinto-me gratificado e achando a minha terra maior e mais digna. Estamos mais ricos, agora, com o resgate da trajetória deste polêmico líder político. Muito mais ricos ainda, porque é nosso, é parecido com a gente. Filho da Várzea do Gama (colado à Terra Vermelha, minha pequena pátria da grande Itabaiana), roceiro, bodegueiro, trocador de bois. Com sua vida, mostrou que a glória é possível até para quem nasceu num remoto e rústico povoado e em uma família humilde. Basta querer! Basta topar os desafios!

A história contada no livro consolida a figura valorosa que o líder dos udenistas representou para a história de nossa terra.

E quanto aos pessedistas (como muitos que conheço e admiro)?

Tem que tirar o chapéu para este udenista de pêia, que foi Chico, mesmo que lhes doa um pouco. Eu estou fazendo isso. Meu pai, Zé de Pepedo Saracura, no seu descanso eterno no Cemitério Santo Antônio e Almas de Itabaiana, também. Acho que sim.  O seu pesssedismo deve ter amenizado.

E quanto ao autor Carlos Mendonça?

Deus queira que a cada mês apareça alguém aqui em Sergipe assim igual dando-nos obras como esta, que resgatem nossos costumes e valores, desvendando o passado e enriquecendo o futuro de nossos filhos...

E quanto aos senões?

Não passam de meros senões. E que se transformem em desafios para que surjam mais livros sobre os chicos ou os franciscos que temos de sobra.   

(Escrito em algum dia (do ano de 2011) logo após o lançamento, ao qual estive presente, no auditório da Ufs Itabaiana, que estava lotado).


CORONELISMO E DOMINAÇÃO,Ibarê Dantas

CORONELISMO E DOMINAÇÃO,Ibarê Dantas,editora UFS, 1987,113p, sem isbn




São dois ensaios, como diz o autor em Nota Prévia. O primeiro denominado “As Mutações do Coronelismo” estuda o coronelismo no Brasil. Acho (agora sou eu) que o coronel é irmão do caudilho na América do Sul (e sul do Brasil), o senhor feudal da Idade Média, que ainda persiste, e o xeque que tenho visto nos filmes sobre o oriente. O segundo ensaio, o que me interessou sobremaneira, “Itabaiana, a dominação Coercitiva”, analisa dois tipos que hoje são lendas: Euclides Paes Mendonça (Euclides) de Francisco Teles de Mendonça (Chico de Miguel). Desde 1950 até 1990 (quatro décadas) e o seu domínio sobre um povo (leia-se itabaianense) e sua influência sobre uma nação (leia-se região).


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Ibarê Dantas admira Itabaiana. Simpatiza com   o povo guerreiro de Itabaiana. Como historiador evidenciou, deu status de heróis, a Manoel Teles, Euclides Paes Mendonça e Chico de Miguel. A teoria precisava de alicerces reais para se sustentar. Poderia procurar outros por aí. Mas não, foi à Itabaiana e escreveu sobre nossas figuras controversas, e com respeito (e não o fizesse!). Não é pouca coisa estar num livro de Ibarê, virar história digna.  Apenas os significativos.

A troca de correspondência entre Manoel Teles e Leandro Maciel caracteriza o perigoso e difícil relacionamento entre a oposição e a situação, temporariamente no mesmo barco.  A entrevista final com Chico de Miguel revela um grande líder, firme e definitivo, nesse mundo cheio de pessoas escamosas e vacilantes.  
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Ibarê Dantas é filho de Riachão do Dantas, irmão do romancista Francisco Dantas e, como este, professor universitário com todos os títulos que cabem no tipo. E também como Francisco, casado com uma intelectual de projeção (também professora universitária), Beatriz Dantas, folclorista, historiadora e muito mais. A esposa de Francisco é Maria Lúcia Dal Farra, poeta maior, que me encanta.   

Para dar uma ideia da dimensão intelectual de Ibarê, cito alguns de seus livros, referências irrefutáveis às academias do mundo:
1.      
O Tenentismo em Sergipe (da revolta de 1’924 à revolução de 1930).
2.       A Revolução de 1930 em Sergipe: dos tenentes aos coronéis.
3.       Coronelismo e Dominação (este do qual trato aqui).
4.       Os Partidos Políticos em Sergipe (1989 a 1964).
5.        Tutela Militar em Sergipe, 1964 a 1984.
6.       Eleições em Sergipe (1985 a 2000).
7.       História de Sergipe: República (1989 a 2000).
8.       Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel (1825 a 1908).
9.       História da Casa de Sergipe (1912 a 2012)
10.   Memórias de Família O percurso de quatro fazendeiros.
11.   Deve haver mais algum, o homem não para.

OBS:
Toda obra de Ibarê trata de Sergipe.

O PODER LOCAL E RELAÇÃO DE DOMINAÇÃO (Itabaiana 1945-1963), Antônio Carlos dos Santos

O PODER LOCAL E RELAÇÃO DE DOMINAÇÃO (Itabaiana 1945-1963), Antônio Carlos dos Santos, Redes Editora, 2015,144p,isbn 978-85-61638-82-5




É algo que me intriga e incomoda: esses preâmbulos que não acabam mais, essas fugas do tema, esses volteios nas imediações. Também a persistente busca em clássicos o que talvez nem exista, nem precisaria existir, de conceitos que fundamentem o trabalho acadêmico desenvolvido e objeto de um livro. Em livros produzidos na academia das Universidades; talvez não todos, mas os que caíram até hoje em minhas mãos.

Não nego a necessidade do embasamento teórico. Pelo contrário. É que esses embasamentos expostos, quase sempre me parecem enganação, encheção de linguiça, cumprimento de protocolo inútil. E poderiam muito bem estar implícitos no corpo do tema desenvolvido, sutilmente, com citações parcimoniosas, consistentes, atinentes. Especialmente atinentes. Nada vago, nada que deixe o leitor inseguro ainda mais do que se ele não existisse. Imagino que essa burocracia acadêmica, pro forma, perderá força e será um dia letra morta.

Senti isso ao concluir as dezesseis páginas do capítulo 1 do livro “O Poder Local...”.   Muitas referências a estudiosos para provar nada, pois nenhum chegou ao âmago da questão.  Bastava uma página, e eu agradeceria, sobraria tempo para ler com mais vagar e carinho o capítulo 2, que merece muito mais, é onde está o ouro, certamente, a meu ver.

Que importância tem de Euclides e Manuel Teles serem coronéis ou não?  Por que teríamos que incluí-los nesse teórico departamento virtual? Um povo não vive pela cartilha dos teóricos mas pela multiplicidade dinâmica da própria vida.

E já que a academia faz questão de enquadrar, que sejam mesmo chamados de “cononéis”. O fato de morarem na cidade e viverem dela não invalida a titulação, no meu ponto de vista, à revelia dos teóricos. Itabaiana era uma cidade (e ainda é) intimamente rural. Com vínculos profundos com o campo. E os próprios personagens políticos, além de comerciantes, eram fazendeiros, possuíam terras, o próprio autor inventaria ao final do livro. E ambos nasceram e começaram suas vidas em pequenas propriedades rurais, tinham dentro de si a alma do campo. Mesmo que não possuíssem uma tarefa de terra sequer, seus dominados e eleitores de cabresto, seus fuxiqueiros e puxa sacos, a maioria deles era da zona rural (ou veio dela) e todos os seguiam como se fossem vassalos de um “feudo”. Sei por ter vivido o momento ou sobras dele.

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Para mim, o livro começou na página a 55 e, mesmo curto, tem um rico conteúdo. O autor não gasta palavra vãs, tudo que diz precisava ser dito. Não encomprida a reza para enrolar santo, ganhar a graça pelo cansaço. Argumenta, embasa, fundamenta, exatamente onde cabe fazer isso. Não provoca tédio, mesmo ao leitor universal. Até ao doméstico, enriquece a informação, fixa o conceito. O livro ficou devendo uma análise mais detalhada do período em que Manuel Teles reinou em Itabaiana (até 1950). Limitou-se as dispersas e esparsas informações. Por isso, transformou-se em uma ode à Euclides Paes Mendonça. Quem falou que ode é louvação? Mas, ao final, fica a impressão de que o “coronel” Euclides (que estranho soa!) modernizou a cidade, inflou o ego dos “serracenos” pois fez o que quase todos gostariam de fazer: desafiou o poder maior e impôs-se a ele, não pagou impostos, disse o que quis, fez o que pensou fazer. E todos se curvaram à sua imagem. Um herói subliminar.

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O tema desenvolvido é polêmico e recente. Trata de dois adversários políticos. Há testemunhas vivas e ainda apaixonadas por Euclides ou Manuel. A verdade ainda nada em paixão. Não assentou e vai demorar ainda.  E a paixão é um privilégio de todos. Ninguém escapa.  Nem o velado autor dessas considerações.

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Arrisco caminhar um pouco, a partir daqui, pela linha seguida por Antônio Carlos dos Santos, o autor, que é doutor reconhecido no mundo todo. Possui um curriculum que faz Itabaiana universal, “Potestas Montis”: a verdadeira riqueza que provem da Serra, a riqueza que conta.  

Em Itabaiana como na maioria das pequenas cidades, o homem da cidade é rural; e o homem do campo, “os sitiantes recebem forte influência ou dependência do centro urbano, tanto em virtude de fins comerciais, quanto para fins de entretenimento. O centro urbano funciona como lócus aglutinador de toda a região”. A casa grande do engenho, ou o palácio do senhor feudal.

Euclides e Manuel Teles são líderes carismáticos.  Sobressaía em Euclides uma “visão do mundo ampla e o desejo de aparelhar Itabaiana no que houvesse de mais moderno e sofisticado”. “A medida que a cidade crescia, as avenidas, praças e ruas eram abertas, em especial nos terrenos dos opositores, que não eram indenizados”.  O opositor prejudicado recorria aos tribunais e perdia a causa.

Itabaiana é a terra onde “as paixões politicas tanto se agitam”. “De pouco trato”.  “Onde a vida é a mercadoria mais barata”. Não é um lugar fácil de administrar. Só homens fortes, como foram Manuel Teles e Euclides (até 1963).  Especialmente Euclides soube se sair bem nesse mundo perigoso. Com o tempo, mais não muito, “anulou o principal adversário, levando-o quase à falência econômica e à inexpressividade política.” A nação serrana dobrou-se à seus pés pesados. Euclides dominou o povo e os poderes em volta. Criou uma guarda municipal com cem homens, sobrepondo o destacamento da polícia estadual que possuía apenas 6.

“Prendia as pessoas, sempre que o juiz e o opositor político estavam fora da cidade, ganhava, assim, tempo para castigar como achava certo, dobrar na marra. Mandava trazer o preso a seu armazém, deixava-o de pé por algumas horas, interrogava-o como se fosse o juiz. Criou um clima de temor. 
“Ao pressentir a ronda da polícia no povoado, Cícero de Souza corria com medo de novamente ser preso”.  
Criou uma cadeia privada num velho sobrado, longe das vistas do Juiz. 
“Colocou presa Jozina Rosa do Nascimento num quarto escuro, onde foi agredida fisicamente, inclusive com murros e tamancos, violência cometida pelo próprio Euclides Paes Mendonça”.

“O prefeito confundia inconscientemente, ou mesmo conscientemente, o público e o privado.  
O Judiciário prendeu um caminhão de mercadorias. Assim que o fiscal ficou sabendo de quem era (Euclides) soltou-o imediatamente”. Mesmo sendo Euclides homem sensível às novidades e ao progresso, “o mesmo não ocorria com relação aos direitos civis e políticos”.
 “Animado com o apoio do governo Estadual, invadiu a cidade vizinha de Ribeirópolis e prendeu e espancou o senhor, Marinho, oposicionista político que estava sob proteção da força federal. E, depois, nada aconteceu a Euclides, como de hábito.

O Juiz José Bezerra declarou de “nunca haver tomado as providências necessárias que lhe competiam por temer o poderoso chefe político”. E fez bem. Pode criar seus filhos. De uma vez (por volta de 1962) em que contrariou Euclides, este, munido de uma lata de gasolina foi queimar casa do juiz, queria que o juiz estivesse dentro”.

De outra vez, irritado com a atitude do ex-governador, Leandro Maciel (declinara ao convite em participar de uma comemoração em Itabaiana) mandou o chofer buscar Leandro onde estivesse e o trouxesse mesmo que fosse amarrado. Leandro veio.

Finalmente...

Quem semeia vento, colhe tempestade. Por um motivo fútil, em uma “inocente” passeata de estudantes pedindo água encanada (que era também o sonho dele), Euclides foi fuzilado, juntamente com o filho, pela Polícia Militar do Estado.  “Maria Leite Bezerra, que estava no meio do tiroteio, disse que viu, “soldados atirarem de fuzil sobre o corpo do deputado, já sem vida, caído ao solo”.  

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Um livro para ler como a um romance, um triler policial ou de espionagem.
(Aracaju, 24/06/2016)


Incluo a seguir, com a devida licença do autor (verbalmente, implicitamente) a crônica de Vladimir Souza Carvalho, também lídimo Potestas Montes (a riqueza quem provem da serra), publicada no Correio de Sergipe de 11 de maio de 2016:


Poder local e relação de dominação 1
ONTEM, O FATO; HOJE, A HISTÓRIA

Vladimir Souza Carvalho

Foi lendo, com imensa curiosidade, como faço com tudo que se reporta à história de Itabaiana e me chega as mãos, o excelente Poder Local e Relação de Dominação - Itabaiana 1945-1963, de Antonio Carlos dos Santos, extraindo dos escombros dos fatos ocorridos em 1963 os seus antecedentes mais diretos e a explosão final, verificada em 1967,  já fora do âmbito de 1963, mas dele originada, uma verdade que me tocou, traduzida no fato de estar a ver, pregado em livro, uma realidade eminentemente local, transformada agora em história, que eu testemunhei e participei.

Quatro datas imediatas se unem na trajetória sangrenta dessas páginas da história de nossa tribo, uma desencadeando e justificando a seguinte, começando com uma discussão na manhã de 20 de abril de 1963, na feira, entre Euclides Paes Mendonça, cercado pela Guarda Municipal,  e Manoel Teles, tentando ser impedido de avançar pelo seu balconista João Andrade. Seguiu a  seguinte, 21 de abril, domingo à noite, na troca de tiros entre a Guarda Municipal e a Polícia Militar, na mistura do grotesco com o trágico, fatos que prepararam o 08 de agosto, na passeata dos estudantes do então Ginásio Estadual de Itabaiana, quando a Polícia Militar matou, na Praça da Matriz, Euclides Paes Mendonça e seu filho Antonio de Oliveira Mendonça, se encerrando quatro anos depois, em 31 de agosto de 1967, no esperado assassinato de Manoel Teles, símbolo maior da vingança anunciada.

Fruto da leitura de Poder Local e Relação de Dominação, me vi tomado por uma sensação até então inédita: ser guinado a condição de testemunha e participante de alguns dos fatos mais fundamentais ali analisados. Ou seja, não na condição do curioso que escrevia algo sobre a história de sua aldeia de tempos de antanho, focando fatos praticados por homens que não conhecera, mas do aldeão menino de treze e dezessete anos, respectivamente, que viu, transformadas em história, ocorrências que se desenrolaram a poucos metros de seus olhos [20 de abril de 1963], que ensejaram disparos de armas de fogo que ouviu [21 de abril de 1963], que viu areias da construção da sede da Banco do Brasil, na Praça da Matriz, transformadas em trincheira de guerra [22 de abril de 1963], que esteve na passeata de 08 de agosto [de 1963], presenciou o sepultamento de Euclides e do filho [09 de agosto de 1963] e, finalmente, em 01 de setembro de 1967, acompanhou o enterro de Manoel Teles e ouviu o comovido discurso de Manoel Cabral Machado à beira da sepultura.

Então, aqueles fatos, que foram, e ainda são, motivos de longas e renováveis exposições/discussões entre os da minha geração, galgaram um patamar superior,  ao ser enquadrados como exemplos do coronelismo urbano, temática central do livro de Antonio Carlos dos Santos, na linha de ensaio anterior de Ibarê Dantas, ali citado, enquanto que, para nós - que neles estávamos como curiosas testemunhas - a preocupação maior se resume em fixar os fatos em seus devidos lugares, na tentativa de explicar como tudo aconteceu. Afinal, a narração das ocorrências fica a cargo de quem viu; o estudo, de quem entende.  O que ninguém podia imaginar é que, pela sua importância no contexto local, ficassem, como ficaram, sedimentados na memória dos que deles viram e passaram adiante, para, depois, como última etapa, atracarem em livros, sob o batismo da história, o que já começa a ocorrer. (Correio de Sergipe, 11 de junho de 2016).

domingo, 12 de junho de 2016

AVE CAESAR,Wagner Ribeiro

AVE CAESAR,Wagner Ribeiro,35 páginas,edição do autor de 2013



Wagner é um exímio artista da palavra. Um ourives, um lapidador. Já li muitos de seus poemas e contos. Tudo que sai de sua pena prima pela excelência.



“Ave, Caesar” é uma coroa de sonetos, composição difícil elaboração, onde o último verso de cada soneto inicia o soneto seguinte e, por fim, o último soneto (o décimo quinto) é formado exclusivamente pelos últimos versos dos quatorze sonetos que o precedem. Em “Meninos que não queriam ser Padres” eu, nomeado vice-prefeito do seminário (um mero apaga rasto do o prefeito, que não era ninguém ante o reitor) tergiverso assombrado:

Temo, agora, que o poder me transforme. De uma hora para outra, talvez vá me surpreender fazendo o que sempre achei errado e critiquei.” (página 163, primeira edição).

O livro Ave Caesar trata do imperador maior dos romanos, Cesar, grande conquistador, e investiga a transformação do homem puro em um deus severo e impiedoso. O poder, por menor que seja, transforma as pessoas e revela facetas que até elas estranham. 
Prestem a atenção na qualidade da obra:

“Guinado ao trono pela mão divina
Como de resto todo governante,
Das virtudes de outrora já distante,
Vê que nasce uma vida, outra termina” (primeira estrofe do soneto 1).

“Não se enxerga, num grande soberano
O que ele possa inda ostentar de humano
Porém o quanto a cornucópia atesta:

O sucesso das armas nos butins
Que apaga meios, atingidos fins
Por trás do brilho que o poder empresta”(fecho do soneto número 2).



(Publicada na revista  Perfil ano 16 número 8)

sexta-feira, 10 de junho de 2016

FEBRES E FRAUDES NA VILA DO LAGARTO, Floriano Santos Fonseca

FEBRES E FRAUDES NA VILA DO LAGARTO, Floriano Santos Fonseca, Infographics, 2015, 231 páginas, isbn 978-85-68368-66-4



Floriano é historiador deformação acadêmica e o prova agora com o lançamento deste livro. É poeta e compositor, possui cerca de 300 composições, das quais 105 gravadas em CD.  Participou de diversos festivais de música.  Em 1981 criou o grupo musical denominado Saco de Estopa que obteve em prêmios em festivais no Estado, gravou 4 cds e ficou ativo até 2003.  


Participou do grupo de teatro da Sociedade Cultura Artística... Ganhou prêmios com filmes e documentários...



Floriano tem um curriculum vasto e profundo.

Atualmente está trabalhando (em fase de conclusão de uma série de livros sobre a história política de 
Lagarto, cultura popular, crônicas, genealogia e ficção.
  
O livro FEBRES E FRAUDES NA VILA DO LAGARTO trata, didaticamente, de:
Capítulo 1 – Sergipe del Rey, Rios de Siri e Primeiros sinais de colonização;
Capítulo 2 – Freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Lagarto, um nome para o lugar, uma nova hipótese, descoberta geográfica;
Capítulo 3 – Os caminhos da emancipação, as febres e as epidemias da vila, as marcas de uma sociedade escravocrata;
Capítulo 4 – O homem e seu tempo, culto briguento e libertino, a maturidade política;
Capítulo 5 – A epidemia cria um lugar, os primeiros traçados, aspectos arquitetônicos e funcionais das moradias coloniais;
Capítulo 6 – O Barão de Lagarto, da fraude eleitoral em Lagarto à insurreição em Santo Amaro, a guerra de Sergipe, Lagarto: a vila da fraude.

O memorialista Lagartense, Euclides Oliveira, que leu, depois, o livro de cabo a rabo (eu andei pulando passagens eminentemente históricas), diz, em carta aberta enviada ao autor, da qual me deu uma cópia:
“Você deve estar pra lá de contente com “Febres e Fraudes na Vila de Lagarto”, e não é para menos, pela boa apresentação gráfica da obra e riqueza de conteúdo. À medida que folheava suas páginas, meu prazer estético crescia, vendo o amigo, de alma e corpo inteiros, na pujança de suas criações literárias com fundamentação histórica sobre os primórdios da História de Lagarto.
Por certo, um olhar retrospectivo em suas atividades literárias lhe deve encher de muito orgulho pelo tanto que tem feito, como poucos outros intelectuais conterrâneos, no domínio das letras e na exaltação do belo inefável, de que se alimentam os espíritos privilegiados, no rol dos quais o amigo está incluído sem favor nenhum.
Frequentemente, tenho papeado com Antônio Saracura, nosso amigo comum, pessoa rara nos dias de hoje, sobre você e suas realizações culturais, que não são poucas. Ele também está entusiasmado com seu livro recém-editado”.

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Na última capa, Floriano dá o nome de dois novos livros que estão em fase de acabamento e sairão em breve, um, depois o outro.
“Herdeiros e deserdados do Cabau” estuda a última década do período imperial até o Estado Novo.
“Entre Sapos, comunas, padres e coronéis” foca o período pós Estado Novo até o golpe militar de 1964.

Outros livros virão, com certeza dessa lagartixa que “acabou de chegar...”

“Eu pego a matraca e bato na lata / me invulto, me encanto, quem vai me achar?”

(fragmentos do poema: Lagartixa, que está na segunda orelha de Febres e Fraudes).






quinta-feira, 9 de junho de 2016

SACO DO RIBEIRO (RIBEIRÓPOLIS) PEDAÇOS DE SUA HISTÓRIA, José Gilson dos Santos,

SACO DO RIBEIRO (RIBEIRÓPOLIS) PEDAÇOS DE SUA HISTÓRIA, José Gilson dos Santos, Bompreço indústrias gráficas, 1987, 104 páginas, sem isbn



havia escutado falar desse livro, mas, até ontem, quando o encontrei num sebo da rua de Lagarto e o comprei na hora, ele era apenas uma remota referência. Remota e boa referência... As duas ou três pessoas que me falaram dele diziam que eu devia ler, certamente gostaria.

Li de ontem para hoje e estou gratificado. Tanto pela organização da obra, dissecando aspectos da cidade, um a um, condensando-os em blocos, o que me pareceu um método interessante. Gratificado também pela lisura das informações:  concisas, essenciais, conclusivas. Até no que tange à última parte: a política e administração municipal satisfez-me.


O que José Gilson dos Santos conta são fatos que eu sempre quis saber, desde menino, com dez anos por aí. Eu passava com meu pai nas ruas der Ribeirópolis, no carro de boi, indo ou vindo do Riachinho ou de outra fazenda que vendia esterco, e via aquelas casas depredadas, queimadas, pichadas de negro...

Meu pai sempre falou pouco. Ante a insistência, concedia-me apenas: eram casas dos Cearás, um povo valente e pessedista (meu pai também o era),  perseguido injustamente, acusado da morte do prefeito da UDN, Josué Passos.

Eu queria saber mais...

Em outra viagem, menos econômico, deixava escapar que as fazendas dos Cearás haviam sido assoladas, o gado roubado ou morto à bala. As famílias, expulsas do povoado Cruz do Cavalcante onde moravam. E também a família do verdadeiro matador de Josué (uma vingança justa), Zeca da Barra, sofria feroz perseguição. O governador do Estado, Leandro Maciel, assumiu a perseguição aos Cearás e Barras, à seu punhal e fuzil.

Esse povo da Barra mantinha algum relacionamento com meu pai, pois um deles, acho que se chamava Domingos, vendera-nos um pasto na beira do rio Jacaracica onde  nossas vacas de leite babujavam pelo dia.

Agora, com o livro de José Gilson, fiquei sabendo de tudo que passei a vida me perguntando. Um bom negócio ter entrando naquele sebo da rua de lagarto e, mais ainda, comprando o livrinho publicado por José Gilson nos idos de 1987.


Post Scriptum:

A resenha acima foi escrita em algum dia do ano de 2010 (talvez). Na semana passada, no dia (06.06.2016) do lançamento do livro “Três Santos Juninos”, segunda edição, de Luzia Nascimento, fui apresentado a José Gilson. Na verdade, já nos encontráramos em alguma livraria nos finais de tarde das quintas-feiras (O Escritor na Livraria). Eu lembrei vagamente da fisionomia, mas ele garantiu que já falara comigo antes. É que me perco no meio de tanta gente que passa rápido, conversa quase nada e se vai com algum livro que ofereço, ou não.Tive que me desculpar. Certamente, naquela oportunidade anterior, em O Escritor na Livraria, não o vinculei ao livro “Saco do Ribeiro”. Se tivesse feito, jamais esqueceria. O livro pertence ao panteão particular onde mantenho os santos de minha devoção.


Sempre que me desculpo fico confuso, talvez recriminando-me pelo erro que provocou a desculpa. E faço confusão... e misturo os argumentos, desqualifico-os. Botei o prefeito assassinado, Josué, como um dos Cearás sacrificados. Pode uma coisa dessa? E a vingança teria sido por quê, então? Na minha cabecinha de pouco miolo, aventei como causa, o fato dos cearás serem do PSD, partido adversário do novo governador do Estado. E rolou dentro do meu mundo desconexo até “O Sargento Getúlio” de João Ubaldo Ribeiro.  Quem mandou Getúlio passar pelo Saco do Ribeiro com sua encomenda!



quarta-feira, 1 de junho de 2016

JAPARATUBA DA ORIGEM AO SÉCULO XIX, Eduardo Carvalho Cabral

JAPARATUBA DA ORIGEM AO SÉCULO XIX, Eduardo Carvalho Cabral, 464 pág., tamanho:  20 cm, Triunfo,2007, sem IBSN.



É por isso que me esforço tanto a divulgar meus livros. Estou em todo lugar, com minha mochila, mostrando as capas, oferecendo marcadores de página. Vou à televisão, aos jornais, à rádios. Peço para ser entrevistado. Imploro até! E dou livros à pessoas que me parecem ser fazedoras de opinião: “ler, comentar, divulgar e recomendar (se achar que devem!)”.



E quanto aos lançamentos?
Faço vários!



Onde houver um espaço e gente passando, negocio a exposição dos livros, se possível organizo uma festinha desde que eu possa servir o tira-gosto, meus livros.  

Muitas vezes, fico uma tarde inteira e ninguém se dispõe a parar, olhar o produto, negociar. Sim, porque também negocio. Já vendi livros pela metade do preço ou dei de graça, porque o comprador relutante me disse que não podia pagar e estava morrendo de vontade de ler.  Ou apenas olhava de olhos vidrados, pidões. Há quem resista?

Mesmo agindo assim, divulgando ferozmente, assusto-me quando chego a um ajuntamento, e ninguém, ali, ouviu falar de “Os Tabaréus do Sítio Saracura”, de “Meninos que Não queriam ser Padres”, de “Minha Querida Aracaju Aflita, de “Tambores da Terra Vermelha”, de “Os Ferreiros”.

É por isso (pegando o fio da meada), pelo que senti ao ler “JAPARATUBA – da origem ao século XIX”, de autoria de Eduardo Carvalho Cabral, que me esforço ainda mais.  Como pode um livro desse (publicado em 2007) não ter chegado antes a meus ouvidos, sempre atentos à tudo que se produz na terra?

Japaratuba caiu em minhas mãos por um acaso.

Corujava a biblioteca de Euclides Oliveira e vi o lombo. Uma mão empurrou minha mão e puxaram o livro. Euclides tinha ido lá dentro, acompanhar um leite que ferveria a qualquer momento. Abri o livro e li uns pedaços aqui e acolá. Sentei-me, esqueci o mundo. Ainda bem que o leite não estava na minha conta!  Mais tarde, trouxe Japaratuba para casa.

E pensei, retomando a questão inicial dessa resenha maluca: Por melhor que seja o livro, de que servirá se nunca for lido por alguém? E como poderá ser lido, se os leitores não souberem dele? Bibliotecas como essa de Euclides são raras. Momentos como o que vivi, mais ainda.

Por isso saio por aí, como Antônio Conselheiro, pregando a doutrina da boa literatura. Aproveito e louvo os meus santos dos quais citei os nomes (em vão espero que não) acima. Narro milagres... Quem sabe consiga devotos. Leitores. Para ter valido a pena escrevê-los.  

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 Sempre achei árvores genealógicas complicadas, mas as que Eduardo Carvalho Cabral mostra são amenas. O autor mescle história (casos acontecidos) e famílias (biografias), numa combinação agradável.

Mesmo os não iniciados em história (como eu) vão se deliciar viajando ao passado, seja filho de Japaratuba ou de qualquer lugar do mundo, como é o meu caso, filho de Itabaiana.    (...)

(Escrito em algum dia de 2009)

Eu havia rabiscado alguns garatujas aí acima; resolvi deletá-los, em vista do que escreveu agorinha, 01 de junho de 2016, no face “Academia Itabaianense de Letras”, o historiador José de Almeida Bispo, imortal da tal Academia, cadeira 27, sobre o livro de Eduardo Cabral.

Diz muito mais do que consegui.

Peço sua permissão a José de Almeida Bispo para apendar sua resenha aqui:


Encantado.

Ontem, finalmente consegui terminar de ler o livro “Japaratuba, da origem ao século XIX”, do amigo Eduardo Carvalho Sobral, (Gráfica Triunfo, Aracaju, 2007). Um grande passeio! Como encimei, encantado. 


O autor discorre sobre sua cidade com grande maestria, exibindo uma pesquisa, substancialmente em fontes primárias, de excelente nível. Prefaciado pelo saudoso Luiz Antônio Barreto, que também colabora no corpo do livro, traz informações valiosíssimas sobre a História de Sergipe, além, pois, da velha Missão de São João da Japaratuba, montada pelos capuchinhos ainda no início do século XVII, como uma excelente observação de grande lucidez do Ariosvaldo Figueiredo (p.116), ao comentar sobre a República: “O 15 de novembro de 1889 apenas transferiu, sem data marcada, a solução da crise estrutural da sociedade brasileira, que o Império não soube e a República não quis resolver.” A narrativa é recheada desse nível de questionamentos, e mais se agiganta quando Eduardo Cabral toca num tema que, como bem entende dez em cada dez pensadores sérios do Brasil, é o calcanhar de Aquiles de todos os nossos problemas: a escravidão.

Notário em sua cidade, Japaratuba, Eduardo não somente é o escrivão tabelião; é um pesquisador arguto que, além de examinar o dia a dia vai fundo no passado mais longínquo possível que o seu Ofício lhe permite, arrancando das folhas amareladas dos velhos livros da segunda metade do século XIX um raio X fidelíssimo daquela desgraça humana nominada escravidão. Os processos de compra, venda e administração de gente como se bois ou cavalos fosse. Crianças arrancadas de suas mães; pais separados de seus filhos, a troca de gente pra lá e pra cá... terrivelmente fantástico! Repito: uma radiografia profunda da desgraça nacional, resumido ao distrito, a seguir município de Japaratuba, mas que é um fiel retrato de tudo aquilo que amalgamou o país, e contra o que tanto temos nos debatido nos últimos 80 anos.

Aí, ao também abordar as querelas políticas dos coronéis do açúcar, contexto em que Japaratuba esteve no ápice como um dos maiores produtores de açúcar da segunda metade do século XIX, uma demonstração da pequenez de alguns ante, por exemplo, a luta titânica de um Antônio da Silva Travassos, espécime raro por estas plagas de tantos sinecuras e agiotas porque um homem de visão, um empreendedor. Bebe magnificamente na fonte da professora Terezinha Oliva ao abordar os ecos da luta desesperada de Fausto Cardoso em tentar o impossível: dar forma civilizada a um grupo de coronéis interesseiros e egoístas... até mesmo supostos prosaicos assuntos, como o ventilado na sessão da Câmara Municipal de Japaratuba, de 3 de fevereiro de 1869, acerca da construção de uma cacimba, é um claro rastro a ser seguido quando se analisa a terrível seca que se abateu sobre todo o Nordeste naquele momento, desarrumando toda a sua economia, como foi o caso de Sergipe; um nefasto complemento à maré de má sorte daquelas duas décadas que começou com a terrível epidemia de cólera de 1855, repetida em 1863.

Os costumes do Império, herdados dos tempos coloniais de, por exemplo, não se empossar coletores de impostos que não tivessem bens disponíveis para cobrir eventuais prejuízos pelos cobrador, trazido pelo Eduardo na página 95 nos leva direto a um drama vivido por Itabaiana em 1672, com a nomeação de Luiz Pereira, segundo capitão de Infantaria da Ordenança nomeado para Itabaiana, que foi demitido do cargo por não ter bens.

Enfim, um grande livro. Meu muito obrigado ao amigo Eduardo Cabral pela cortesia e pelo privilégio a mim dado de ser presenteado com uma obra desse quilate.”


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