segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

A TAIEIRA DE SERGIPE: UMA DANÇA FOLCLÓRICA,Beatriz Góis Dantas

A TAIEIRA DE SERGIPE: UMA DANÇA FOLCLÓRICA,Beatriz Góis Dantas,editora UFS, 168p,2013,isbn 978-85-7822-319-9


A apresentação ao livro assusta,  mas aí vem o prefácio de José Calazans que acalma: Não é nada disso, pode avançar que o leão é manso. As sapecas “negrinhas pequenas” de José Calazans, me arrepiaram; a vista turvou-se, uma onda de emoção encheu meus olhos. Minha esposa flagra-me enxugando lágrimas, controlando o peito que arfa. Argueiros não colam... Dor no peito é desculpa esfarrapada.

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É  uma pena que folguedos de nosso povo estejam desaparecendo, alguns já se foram de vez. Sinal dos tempos. Não há mais espaço. Outras prioridades e facilidades se impõem a cada dia. A magia da internet e da televisão danificaram até o mágico cinema. Os livros caminham para o cemitério, por conta própria, em fila indiana.

A Taieira em Sergipe resiste por conta de uma pessoa, já muito velha, e que tenta passar a coroa e ninguém quer. E mesmo que alguém mais novo a receba, dificilmente vai encontrar herdeiro quando este precisar passar adiante.

Até cidades se acabam. Laranjeiras mesmo, onde mãe Bilina (Umbelina Araujo) mantem a Taieira ainda viva, já foi uma grande metrópole. Rica. Com 57 engenhos produzindo, possuía o vigor que nem os dias de festa de hoje em dia imitam.

Beatriz Dantas segue o fio da meada, mostra o geral e desce ao ponto. Escrita afável, termos de domínio publico, frases cadenciadas. Há uma melodia por detrás do texto, embalando a leitura. Para mostrar situações complicadas, que outros levariam dez páginas de conceitos intragáveis, Beatriz usa as próprias expressões fortes e definitivas do falar do povo: “Tomar uma coisinha” (página 34),  “não gostava  de estudos” (página 35), “hoje as moças têm vergonha de sair...” (página44), “Iaiá me deu mode seu doto” (página 53), “antigamente era dona desse negoço” (página 68), “fazer rainhas menos pobres” (página 79), “são Benedito pode castigar os responsáveis” (82), “realizar o corte do inhame” (página 83), “a paróquia não aprovou a dança de negra” (página 84), “tudo isso é louvor, tudo isso é louvar” (página 85)...

Fruí a Taieira viva de Laranjeiras, e as que já morreram em Lagarto e São Cristóvão. Benzi as divisas e fui à Alagoas, à Bahia  e ao Rio de Janeiro. Pedi a bênção ao vigário que sabia  o que era bom, Padre Filadelfo Jónathas de Oliveira, sessenta anos celebrando missa na matriz de Laranjeiras e abençoando os cultos  pagãos nos terreiros clandestinos. Um santo. 


E o livro surpreende. Até encanta.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

CAVALOS DO AMANHECER, Mario Arregui

CAVALOS DO AMANHECER, Mario Arregui, L&M Pocket, 144 páginas, 2003, isbn 978-85-254-1291-1





Há uma eterna contenda dentro de mim, eu comigo mesmo, buscando subir sempre um degrau a mais na melhoria da escrita, contra o outro acomodado, satisfeito antes da hora, achando que do jeito que está, dá para o gasto.

E também travo contendas com os escritores que leio. Não as busco. Nem gosto de disputa, de apostas. Desde pequeno que fujo das parelhas, do vamos ver quem chega primeiro. Quando me bato com um palavroso cheio de argumentos prefiro me calar, fazer de conta que presto atenção, e escapo pelas paralelas o mais rápido que consigo.

As contendas com os escritores que leio nascem espontâneas, logo nas primeiras linhas. Instalam-se silenciosas, com o natural estudo de adversários, a avaliação dos seus armamentos, a procura de uma rota de fuga para o caso de desvantagem. Menos vejo, já estou envolvido até o pescoço. Dependendo da emoção que me afete, parto para a via de fato, posso enveredar pela calorosa altercação verbal, com xingamentos, palavrões, elogios, vivas... Muitas lágrimas.


Minha esposa, que cuida de suas coisas em outro ambiente, sempre aparece, tentar socorrer o poeta desconexo, o escritor inverossímil ou o marido exacerbado.


Já abandonei livros pela metade, já rasguei outros, mas também mandei construir altares para alguns.
Recriminei-me por ter chegado até o fim de certos livros e chorei quando outros terminaram tão cedo.

A minha contenda desta semana foi com “Cavalos do Amanhecer”, de Mário Arregui. Autor desconhecido até que comprei, por três reais, no supermercado Bom Preço, o seu pequeno livro, um pocket da LPM. Na oportunidade, comprei outros títulos de autores diversos, escolhidos ao léu, mais porque estavam no queima e achei uma injustiça (aos autores, aos editores), nem a um preço irrisório, um cara pretensamente instruído fazer de conta que nem viu.

Fui avançando na leitura e na minha contenda. E fui perdendo para o autor, em cada frase, em cada passagem. Ou melhor, ele foi me dominando. Saí da arquibancada e entrei na arena dos leões. Eu não era mais o leitor surpreendido. Encantei-me, como os irmãos Correa em Os Contrabandistas. Misturei-me nas histórias, sem sua licença. Assumi, como se fosse minha, a construção da obra, já concluída. Bem que poderia ter sido eu! Por que não fui?

E como escapar desse fantástico desvario?

Noite de São João é uma aula de contear (existe?): “olhou o triângulo do sexo... tíbio e terno e estremecido como um pássaro”. Assim como os demais, melhores ainda. O Regresso de Ranulfo Gonzalez termina igualzinho ao O Preço do Santo, em Os Ferreiros, penso que sim. Em Os Contrabandistas, os irmãos Correa encarnam em seus espíritos a consciência de Rulfo Alves, nada tão triste e tão belo! Na página 43 há uma sequência sôfrega, que palavra nenhuma poderia dizer tão bem como as linhas em branco deixadas à propósito. Quis fazer assim em Os Ferreiros, mas meu revisor quase dá um troço. Três Homens: “o sargento ali ficou, cabisbaixo, como perdido em pensamentos difíceis”.
Cavalos do Amanhecer...
Eu não saberia terminá-lo de outra maneira.

Diego Alonso? Nunca daria meu pescoço para ser escanhoado pelo barbeiro! Lua de Outubro tem final espetacular, nada como cinco tiros implacáveis de um revólver. A Vassoura da Bruxa: “posso dizer que um velório sem defunto é uma das coisas mais estranhas que existem entre o céu e a terra”. E, finalmente, Os Ladrões: aprendizes recuam ao crime (à barbárie), espantados pelo pudor (um sentimento besta de meninas).

São histórias marcantes que jamais serão esquecidas, até pelo relapso leitor. Mesmo que o enredo fuja, as imagens persistirão indeléveis. Por mais avoado que o leitor seja, voará nas asas da escrita irretocável. Os pampas serão seus pagos também.

Respeitosamente, arriei minhas armas  de ataque aos pés de Arregui.